Aquela Copa foi um desafio para todos, do time comandado pelo técnico Felipão, aos jogadores selecionados, passando por todo o estafe da CBF e até para os jornalistas brasileiros credenciados para acompanhar a seleção. Eu era um deles. Trabalhava para o Diário de S. Paulo, que pertencia às Organizações Globo. Nosso time envolvia o jornal O Globo, a TV Globo e a Rádio Globo. A turma da TV ficou mais isolada. Da nossa turma, dois craques da escrita: Artur Xexéo e Luis Fernando Verissimo (tudo sem acento mesmo). Sim, cobri uma Copa do Mundo ao lado desses dois senhores. Lembro que a primeira parada do Brasil já na Coreia do Sul foi na cidade de Ulsan. Pela primeira vez, a Copa do Mundo seria disputada em dois países diferentes, além da Coreia, o Japão. Ninguém sabia direito como seria isso. Nem o que esperar. Cada jogo aconteceria em uma cidade.
A CBF entendeu por bem que o time brasileiro deveria jogar, fazer as malas e rumar para a cidade do próximo jogo. E todos nós íamos atrás. A logística foi terrível. O repórter precisa reconhecer o terreno de ‘combate’, mas desta maneira, ele nunca ficaria três dias na mesma cidade, a não ser na parte de preparação da fase de grupos do Mundial, como foi em Ulsan.
Os jogadores também não estavam acostumados com isso. Mas tudo fazia parte de uma condição política da Fifa para agradar cada vez mais países filiados, e ter todos nas mãos. Era um toma lá dá cá, uma prática aberta pelo então presidente João Havelange, que se tornou prática no comando da entidade. Havelange liderou a Fifa por 24 anos.
O Brasil era um dos favoritos, como sempre é pela sua tradição, de Pelé a Romário, por causa das quatro conquistas anteriores, a última delas em 1994, nos Estados Unidos. Mas o time teve de suar a camisa para se classificar nas Eliminatórias. Chegou-se a pensar aqui no Brasil que não conseguiria. Luizão salvou a barra na partida contra a Venezuela, fazendo dois gols na vitória por 3 a 0. Aquele jogo lhe valeu a convocação para a edição 18 dos Mundiais. A fase ruim embarcou com o Brasil para a Ásia, com Ronaldo se recuperando de grave lesão no joelho e Rivaldo quase sendo cortado a pedido do Barcelona, que alegava que ele não tinha condições clínicas para atuar na seleção.
Romário era uma sombra para Felipão, que resolveu não convocá-lo. Paulo Vinícius Coelho, o PVC, em seu livro 5 ESTRELAS, A CONQUISTA DO PENTA, da editora Letras do Brasil, e que tive o prazer de editar, conta que Romário não gozava da confiança do treinador por motivos diversos. Ele sabia disso. O torcedor também. Mas seu nome passou a ter um forte apelo para a lista derradeira. Felipão enfrentou a todos e não o convocou. PVC explica isso no seu livro.
O Brasil foi ganhando confiança nas duras partidas que vencia. E assim foi crescendo na competição. O clima era muito bom, apesar dos percalços de antes da competição. Houve um comunhão da comissão técnica com o elenco, é isso refletia na cobertura jornalística. Os jogadores eram acessíveis. Felipão era acessível. Se tivesse o VAR em 2002, a seleção teria problemas em duas partidas, contra a Turquia e contra a Bélgica. Até hoje dizem que a arbitragem deu uma mãozinha para o time do Felipão.
A seleção ganhou todas as duas sete partidas. Nunca uma outra seleção do Brasil havia conseguido tal feito. Em 1970, com Pelé, o Brasil também ganhou todos os seus jogos, mas eles foram seis. Ronaldo e Rivaldo foram os caras daquela Copa de 2002, mas o Brasil tinha outros jogadores geniais, como Ronaldinho Gaúcho, Cafu e Roberto Carlos. Eram as 5 estrelas de Felipão, assim como as 5 estrelas que a camisa ganharia no Japão.
O jogo contra a Inglaterra também foi um dos mais difíceis para a seleção brasileira. Ronaldinho decidiu, apesar da expulsão. Herói e vilão num mesmo jogo. Foi naquele dia que entrevistei David Beckham, um dos melhores e mais badalados jogadores de 2002. Copa do Mundo tem dessas coisas. Você pode entrevista atletas que nunca pensou em entrevistar.
O Brasil foi ganhando estofo para decidir o título com a Alemanha. Antes, na nossa parada em Saitama, fiz um dos passeios mais inesquecíveis no Japão, no Museu John Lennon, feito para o Beatles por sua mulher Yoko Ono. Tenho fotos desse local maravilhoso que consegui visitar em uma das rápidas escapadinhas da Copa.
A final também trouxe um fantasma para dentro da concentração brasileira, a convulsão de Ronaldo quatro anos antes, em 1998, na França. Também na decisão do Mundial. Lembro que nossa equipe se revezava para dormir no mesmo hotel da seleção. Era uma dupla. Para a grande final, eu fiquei no mesmo hotel do time. Fizemos ronda no saguão para ver se nada de ruim acontecia com Ronaldo. E nada aconteceu, a não ser um tremor de terra sentido por alguns companheiros.
A final da Copa todos sabem. O Brasil festeja aquela conquista há 20 anos. O penta mudou o futebol brasileiro e a história daqueles atletas e de Felipão. No fim, depois de tanto tempo, pode-se dizer que foi uma boa Copa para cobrir. O Brasil ganhou da Alemanha por 2 a 0 na final e os brasileiros festejaram nas ruas do país. Voltamos para casa satisfeitos com o nosso trabalho. Dois anos depois, fui convidado para trabalhar no Jornal da Tarde e, depois, no Estadão, onde estou até hoje, agora como editor de esportes.
Indicação para leitura
5 Estrelas, a conquista do penta, de Paulo Vinícius Coelho.