O futebol brasileiro quebrou suas barreiras centenárias e se arreganhou para a SAF, a Sociedade Anônima do Futebol, como única esperança de sobreviver. Três clubes gigantes não pensaram duas vezes para entregar suas chaves aos novos donos. Refiro-me a Cruzeiro, Vasco e Botafogo, em comum, todos no fundo no poço financeiramente, e também dentro de campo, sem vislumbrar até então nenhuma luz no fim do túnel. O time de Minas Gerais, por exemplo, está em sua terceira temporada na Série B. Nunca antes um grande ficou tanto tempo na divisão inferior. Ronaldo chegou e mudou isso. Ou quer mudar.

Ocorre que a SAF não pode ser entendida como sendo a salvadora dos clubes. Não há nenhuma garantia de que a transformação de um time de futebol de associação para sociedade anônima dará certo esportivamente. Nenhuma. Qualquer um desses três times pode quebrar a cara. Outros do futebol brasileiro já deram esse passo para o clube-empresa e não mudaram em nada. Não conseguiram se reorganizar a ponto de pagar suas contas em dia e se fortalecer no mercado. Por isso que o resultado da SAF só será conhecido em cinco ou dez anos.

Então, aos torcedores que esfregam as mãos achando que um investidor será capaz de mudar a condição de um clube num passe de mágica, muito cuidado. O tiro pode sair pela culatra. A grande verdade é que Cruzeiro, Botafogo e Vasco pegaram esse cipó porque foi o único que apareceu. Sem nenhuma outra opção, se agarraram nele e agora esperam poder chegar do outro lado mais inteiros, com saúde financeira melhor, prontos para andar com as próprias pernas.

Há uma característica comum nos investidores do futebol: todos eles buscam lucros, ganhos e fama. Uma coisa não acontece sem a outra. Veja a história do americano John Textor, que vai assinar a compra da SAF do Botafogo. O cara parece um Beatles a cada vez que desembarca no Brasil. Uma multidão de botafoguenses vai recepcioná-lo no aeroporto. Nos jogos do time, ele dá mais autógrafos do que o camisa 10. O futebol tem disso. É paixão, amor e ódio quase que no mesmo minuto. Mas Textor não é apenas um cara legal. É um investidor que olha para o Botafogo como uma raposa olha para uma ovelha. Ali, está sua salvação. A carne que vai alimentá-la. De onde ela vai tirar o seu sustento.

A Lei da SAF dá abertura para mais de um tipo de modelo de gestão. Clubes grandes têm mais poder de atrair investidores, nacionais ou estrangeiros. O futebol é usado por investidores para se popularizar. Países fazem isso para se tornar menos cobrados, principalmente no que diz respeito a direitos humanos. Ter um time de futebol pode pegar bem. Os times menores são geralmente comprados por investidores com a intenção clara de lucrar. Direitos de TV, das transmissões dos jogos, são a grande galinha dos ovos de ouro no futebol brasileiro. Um time bem gerido pode fazer uma receita de R$ 700 milhões por ano. Nada mal. Isso incluiria venda de ingressos para os jogos, cerca de 40 por temporada como mandante, e também negociação com garotos da base. Tudo isso estará nas mãos desses novos donos de clubes no Brasil.

Uma condição que não deve acontecer nas SAFs é comparar os times do Brasil com as potências da Europa, e por um simples motivo, os clubes brasileiros não são vendidos fora do País, diferentemente das equipes do Velho Continente, seguidas e amadas por uma legião de fãs pelo mundo. Os clubes ingleses são consumidos em todos os cantos do planeta, inclusive no Brasil. Tenho camisa do Chelsea, do Liverpool e do City, por exemplo, mas não tenho nenhuma outra de times nacionais a não ser a do meu.

TRABALHAR PARA SEUS SEGUIDORES

O Vasco só será consumido pelos vascaínos. Então, deve haver uma estratégia de negócio pensando unicamente na comunidade vascaína. Ponto. Tudo deve ser trabalhado pensando nesse torcedor, de como torná-lo mais fiel ao clube e em suas cores. Estamos falando de 10 milhões de pessoas, 20 milhões, 30 milhões… Cada clube faz suas contas. São todos consumidores em potencial.

Nenhum clube, na verdade, precisaria das SAFs para trabalhar isso. Tornar-se  S.A. não é o único caminho para gerir suas contas e ter dinheiro no caixa. O clube como ele é atualmente, administra todos os contratos existentes. A SAF também faz isso. O futebol fica nas mãos da S.A., assim como sempre esteve nas mãos das associações. A SAF tem uma legislação diferente, no entanto. Há uma Tributação Específica (TEF) que arrecada impostos diferentes dos clubes tradicionais Nos primeiros cinco anos, o clube-empresa tem a obrigação de destinar 5% das receitas em um imposto único, o que substitui cobranças de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Sobre Lucro Líquido (CSLL), PIS/Pasep e Cofins. Não entra imposto de transferência de atletas. A partir do sexto ano, a SAF pagará 4% de impostos, incluindo venda de jogadores.

A SAF nasce sem dívida. E os clubes que aderirem suas regras terão dez anos para quitar as dívidas. Nada mal. É quase um refiz (mais um) para os clubes pagarem tudo o que devem ao longo de décadas de existência. Passa a haver responsabilidade de seus donos, como nas empresas. Tirando esses detalhes, os novos donos dos clubes de futebol, aqui ou na Europa, buscam o lucro. Cada um pode ver caminhos diferentes para isso. Alguns apostam em ser competitivos em campo, ganhar campeonatos e se dar bem. Outros podem apostar na formação e venda de meninos na base. Não há um único cenário.

O Brasil prova dessa novidade com bastante esperança. Esperança repassada ao torcedor quase como uma garantia de que seu time não ficará para trás nas conquistas, nos torneios e no crescimento diante de rivais mais bem estruturados. Prova também a incompetência de gestores que não conseguiram administrar minimamente um time de futebol no País.