Walter Casagrande está solto das amarras que sempre teve na Rede Globo. Amarras no sentido de a emissora ter preferência em se valer de suas ideias e opiniões. Certa vez, procurei Casagrande para ele fazer uma coluna no Estadão. Tomamos café juntos e um hotel de São Paulo e acertamos os ponteiros. Ele ja teve coluna em jornais. Quando fui embora, ele me disse que iria apenas informar a Globo sobre nossa parceria. Dias depois, ele me procurou para dizer que a emissora havia brecado o projeto porque queria Casagrande e seus pensamentos 100% para ela. Ele pediu desculpas, eu entendi e a vida dele seguiu na Globo.

Depois de anunciar seu rompimento com a emissora após 25 anos juntos, Casagrande tem uma avenida livre para percorrer e fazer tudo o que não pôde nesse um quarto de século, entre o fim de sua carreira de jogador até seu amadurecimento como profissional de comunicação. Está agora no UOl. E assim ele vai aparecendo em tudo quando é lugar para expor suas ideias e visão do mundo.

Há uma fila dos meios de comunicação a sua espera. Seus assessores negociam isso é fazem toda essa organização. Casagrande já era uma pessoa pública e cheio de histórias para contar. Agora ele é livre. Fechou parceria de trabalho com o UOL, empresa importante no seu segmento é que deverá ser o ganha-pão do ex-jogador. Também vai estar em coluna na Folha.

Casagrande sabe que o fim do contrato com a Globo significa perder seu salário mensal, não revelado por ele, mas que sempre o sustentou nesses 25 anos. Para seus fãs ou pessoas que sempre simpatizaram com suas histórias, ter Casagrande livre pode significar tê-lo mais perto, mais autêntico (se isso for possível) e mais vezes durante a semana, ou num jogo de futebol pelo streaming ou numa entrevista em programa de variedades e culinária ou mesmo em qualquer outra atividade que ele queira. Ele terá uma grade no UOL para expor suas ideias.

Casagrande é do rock e vai querer se juntar a novas turmas também. Ele sempre fez outras atividades longe do futebol. Livre, talvez se mostre mais em outros cenários. No seu atual momento, sua cabeça e disposição parecem férteis para todo tipo de cultura. Imagino que tudo vai mudar na vida de Walter Casagrande a partir de agora. Vai deixar o cabelo crescer, se conseguir. E isso não pode ser encarado como uma crítica à Globo. Longe disso.

Ele deve ser tão grato à emissora quanto a emissora é a ele. Ninguém rasga uma parceria de 25 anos assim. Há sentimentos e histórias, e seria injusto das duas partes avaliar esses anos todos pelas lentes dos últimos meses ou das últimas discussões. Casagrande não funciona assim. Ele sempre demonstrou ter o caminho da gratidão aos que os cercam. É assim com os próprios jornalistas com quem dividiu as tantas coberturas do futebol, e não somente com seus colegas de Globo. Ele sempre foi atencioso com todos.

Casagrande construiu uma cumplicidade bacana com seu público. Público que ele nunca teve como jogador. Na tevê, seus comentários viraram uma assinatura, como seus gols e rebeldia. Seu drama com as drogas, suas overdoses e sua coragem de relatar as vitórias pessoais o fizeram um cara carismático. Todos param para ouvi-lo falar, mesmo aqueles que não conseguem enxergar nada de bom em sua vida. Para muitos também ele é uma figura torta, que precisou dos tombos que tomou para se ligar no que estava fazendo. Que nunca foi exemplo para nada. Há muita razão nisso também.

Casagrande nunca quis ser exemplo para ninguém. Mas seus passos o levaram a isso. Ele tem de ter estômago para ler e assimilar o que muitos escrevem sobre ele, aqueles que não entendem sua luta diária contra as drogas, sua vontade e esforço para recuperar os filhos, as horas que oferece do seu tempo para falar sobre o assunto e, quem sabe, ajudar uma mãe na luta para salvar um filho ou filha. É mais fácil condená-lo. Em sua maturidade como homem e profissional, pessoa pública que é, Walter Casagrande consegue passar por cima de tudo isso.

Tem sido assim nesses anos todos, de modo a contar no ar sua vitória pessoal durante a Copa do Mundo da Rússia. Soberano em sua guerra cheia de batalhas, colecionando vitórias, dando passos largos e conseguido fazer planos futuros. Ele sempre soube que as pessoas que vivem no fio da navalha pensam no hoje sem conseguir enxergar o amanhã. Casagrande, um anti-herói pronto do berço, nos fez acreditar e pensar diferente. E vai continuar fazendo isso em outras tribunas e palanques, tomara com a mesma inteligência, comprometimento e carisma.  Casagrande é um cara verdadeiro. O Brasil precisa de homens como ele.