Revi o jogo entre Palmeiras e São Paulo pelo Brasileirão 2023, quando o time de Abel Ferreira ganhou por 5 a 0 do rival paulista, com dois gols de Breno Lopes e dois também de Piquerez, um deles de pênalti. Por quê? Porque foi esse jogo que o americano dono da SAF do Botafogo apontou como suspeito por parte de alguns jogadores do tricolor. John Textor se valeu de um relatório feito por inteligência artificial (IA) que detectou comportamentos, digamos, “antidesportivos” de alguns atletas.

O jogo foi um passeio do Palmeiras dentro do Allianz Parque, com uma expulsão no segundo tempo do lateral-direito Rafinha, após sua segunda falta dura para cartão amarelo. Quando isso aconteceu, o Palmeiras já vencia por 3 a 0. Depois disso, marcou outros dois gols, um deles de fora da área em chute de Piquerez livre pelo lado direito, posição em que poderia estar o jogador expulso do São Paulo. Ao fim daquele jogo, Rafinha disse que o árbitro “Raphael Claus é palmeirense”, colocando a idoneidade do juiz sob suspeita.

Diante das acusações de Textor, meu olhar para o jogo e para o comportamento dos atletas do São Paulo foi diferente, bem mais atencioso. Queria detectar a olho nu e sem qualquer informação de bastidores, e pela TV, como a IA contratada pelo dono do Botafogo constatou as irregularidades apontadas no relatório. Textor poupou o nome dos jogadores teoricamente “suspeitos” do São Paulo. Segundo ele, os atletas tiveram atitudes esportivas fora do normal. Disse isso baseado na avaliação da máquina. A IA captou movimentações diferentes das combinações armazenadas de alguns jogadores do time do MorumBis. Foi assim que eu entendi as denúncias do investidor do Botafogo.

Palmeiras e São Paulo se enfrentam no Allianz Parque pelo Brasileirão de 2023 / Agência Palmeiras

Rivalidade que a IA não entende

Penso que nem preciso entrar no argumento da rivalidade entre Palmeiras e São Paulo, que se intensificou nos últimos anos, mais até do que as disputas de Palmeiras e Corinthians ou mesmo de Corinthians e São Paulo, essa última acirrada nos tempos do presidente corintiano Andrés Sanchez. Palmeiras e São Paulo ou São Paulo e Palmeiras é a maior rivalidade do Estado atualmente e uma das maiores também do futebol brasileiro. Não tem mimimi nem nada que possa diminuir o impacto, o foco e a vontade de jogar dos jogadores dos dois times. Nada. Então, qualquer armação para esse confronto já seria estranho. Textor e sua Inteligência Artificial não levaram em conta essa informação. A máquina não faz esse tipo de leitura.

O primeiro tempo daquele jogo, apitado por Raphael Claus, acabou com 9 minutos de acréscimo, com o Palmeiras ganhando por 3 a 0. O primeiro gol poderia ter sido de Richard Ríos, aos 4 minutos, mas foi anulado porque o volante estava em posição de impedimento. O VAR ajudou o juiz. Aos 15, Breno Lopes abriu a contagem. O atacante nunca foi titular do Palmeiras e talvez tenha sido tratado pelos zagueiros do rival com certo desdém. Mayke jogou com liberdade pela direita, como atua até hoje quando tem Marcos Rocha na sua cobertura. O goleiro Rafael ficou na metade do caminho na bola cruzada da direita. Ele e o zagueiro Diego Costa se atrapalharam, um achando que o outro faria o corte. A IA deve ter entendido isso como um “comportamento incomum” pelo histórico dos dois jogadores.

Breno Lopes foi o nome do jogo do Palmeiras contra o São Paulo pelo Brasileirão de 2023: dois gols / Agência Palmeiras

Contra-ataque de 5 segundos 

O segundo gol do Palmeiras foi marcado num contra-ataque de 5 segundos, que começou com o goleiro Weverton. Era o São Paulo quem estava atacando e pressionando, com quase todos os seus jogadores no campo de defesa do time de Abel Ferreira. Raphael Veiga, no meio de campo, lançou, por baixo, Breno Lopes. Ele estava livre de marcação e também pelo meio. Rafinha estava longe, assim como Diego Costa. O atacante dominou e bateu forte. Rafael nem viu a bola passar. Erro total de marcação e mérito no contragolpe do Palmeiras. O São Paulo estava desesperado para empatar. Não houve falha individual, mas coletiva, de posicionamento.

Não era dia do São Paulo e a IA de John Textor não “percebeu” isso. Aos 37 minutos, Lucas Moura sentiu uma contratura na coxa esquerda quando tentava uma jogada de ataque. Ele parou a jogada, levou a mão na parte posterior da perna e acusou a lesão. Aos 46, ainda do primeiro tempo, Rafinha meteu a mão no rosto de Breno Lopes. Os dois estavam se estranhando fazia tempo. Claus viu e deu cartão amarelo. Pela movimentação e gestos do jogador são-paulino, se o árbitro desse vermelho não seria absurdo. A máquina de Textor também não faz esse tipo de leitura. A IA trabalha com dados e informações exatas.

Um pênalti que poderia não ser marcado

Mas foi aos 48 minutos que Claus marcou um pênalti de Rato em cima de Zé Rafael. Ele viu um empurrão pelas costas e não pelo ombro. Se não tivesse marcado, seria normal. Não vi lance para a falta de tiro direto. Piquerez cobrou e marcou o terceiro do Palmeiras. A bola passou por debaixo do goleiro Rafael. Talvez a IA tenha anotado esse lance como suspeito, o de Claus e do goleiro tricolor. As provas de Textor, segundo ele, foram entregues aos procuradores do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).

No segundo tempo, o Palmeiras fez outros dois gols. O time de Abel Ferreira dominava as jogadas e as ações e o São Paulo continuava a bater cabeça em sua defesa. O técnico era Dorival Junior, atualmente no comando da seleção brasileira. Dorival é um treinador correto, injustiçado em algumas demissões, mas nunca foi levantado nada de desleal em sua vida profissional e conduta.

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Rafinha foi expulso aos 15 minutos. Rafael fez algumas boas defesas. Portanto, a goleada poderia ter sido mais elástica. Isso não quer dizer que houve entrega proposital, diga-se. Todo mundo sabe como se comporta um time desanimado diante de um rival. John Textor também não levou isso em consideração. Americano que é, talvez não conheça ainda o futebol brasileiro em suas profundezas. O quarto gol foi a maior bobeada a meu ver. Após cruzamento da esquerda, Beraldo deixou a bola atravessar a área e não se ligou na chegada de Marcos Rocha. Gol. Vale ressaltar que a defesa tricolor estava péssima, mal posicionada já antes do primeiro gol e desatenta. Por fim, o quinto gol foi um chutaço de Piquerez do meio da rua, longe da área, no ângulo do goleiro tricolor. Foi sem chance para Rafael.

O que disse Dorival Junior após aquele jogo

“Foi comportamental de todos nós, isso inclui todos que fazem parte do nosso grupo de trabalho. Acho que é uma responsabilidade que tem de ser dividida. Consequências têm de ter, mas com equilíbrio. Vamos saber dividir o que está acontecendo. Há três dias fizemos uma atuação excelente no Morumbi. É vergonhoso? É. Não é digno de uma equipe como a nossa. Eu assumo a responsabilidade”.

O jogo aconteceu depois da conquista do São Paulo da Copa do Brasil, mas o treinador negou falta de motivação dos atletas. “Até esse desastre de hoje, tínhamos feito três vitórias, um empate e uma derrota (após o título). Consegui motivá-los naqueles momentos, hoje foi totalmente diferente. A grande verdade é que o Palmeiras entrou para decidir. O São Paulo entrou para jogar. Não podemos tirar os adjetivos de uma vitória que o Palmeiras construiu por méritos. Não tivemos um destaque sequer. Quando isso acontece, alguma coisa está errada, e o treinador é o responsável.”