Num mesmo momento, passo a admirar ainda mais dois profissionais do esporte brasileiro e mundial, um é jornalista e outro é treinador. O jornalista é Leandro Quesada, atualmente na revista Placar, onde trabalhei com muito orgulho nos anos de 1994, 1995 e 1996, por sua inteligência na entrevista coletiva e em saber que não estava diante de um técnico qualquer. O outro é o próprio técnico, Marcelo Bielsa, comandante do Uruguai e de mil histórias da bola, sempre com seu jeito peculiar de ver e entender o futebol.

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A coletiva de imprensa ocorreu nos Estados Unidos às véspera do jogo deste sábado entre Brasil e Uruguai, pelas quartas de final da Copa América. Além do resultado da partida e da sequência de uma das seleções na competição, já um derrotado após a resposta de Bielsa: o futebol sul-americano.

Marcelo Bielsa treina a seleção do Uruguai para enfrentar o Brasil na Copa América / Federação Uruguaia

De nada vale toda a bomba com que as federações e confederações dessa parte do planeta, incluindo as brasileiras, têm conduzido o futebol se dentro de campo não existe mais brilho nem alma. Há um futebol pobre, com os melhores indo embora cada vez mais cedo sem ao menos vestir com dignidade a camisa do clube que o formou. Veja o que disse Marcelo Bielsa sobre isso.

Você se recorda da formação do São Paulo? Com um treinador monumental e uma formação de todos jogadores de seleção brasileira, todos jogando no futebol local. Vejam o que passou com o pobre futebol sul-americano. Lá jogavam Raí, Antônio Carlos, Ronaldo, Cafú, Pintado, Muller, todos jogadores ‘europeus’, mas antes de irem à Europa jogaram duas finais de Copa Libertadores.
MARCELO BIELSA

O treinador do Uruguai lembrou das formações do São Paulo de Telê Santana, com um futebol vistoso e campeão do mundo nas décadas de 1990. Bielsa não parou por aí. Foi além das recordações que muitos brasileiros e quase nenhum dirigente têm de como eram as equipes no Brasil.

O que aconteceu com o futebol? Com o futebol, que é propriedade popular essencialmente… Por quê? Os pobres têm muito pouca capacidade de acesso à felicidade porque não dispõem de dinheiro para comprar felicidade. O futebol, como é gratuito, é de origem popular. Esse futebol, que era uma das poucas coisas que os mais pobres mantinham, já não tem mais, porque aos 17 anos Endricks vão (embora). Que lástima que eu tenha que dizer hoje algo que só vai me trazer críticas.
IDEM

Marcelo Bielsa colocou o dedo na ferida dos clubes, da necessidade que eles têm de vender jogadores antes dos 18 anos para pagar suas contas e em nome da sobrevivência. Citou o exemplo do Palmeiras e de sua gestão, que negociou Endrick com o Real Madrid depois de ele atuar uma temporada e agora faz o mesmo com Estêvão, repassado ao Chelsea, e que ficará no futebol brasileiro até junho do ano que vem antes de ser entregue aos europeus.

Cada vez mais gente assiste ao futebol, mas ele fica cada vez menos atrativo. Não se privilegia o que tornou esse jogo o esporte número um do mundo. Ele não protege quem vê. Isso favorece o negócio, o negócio é que muita gente veja o jogo. Mas quando passa o tempo e cada vez os futebolistas que merecem ser olhados SÃO menos e cada vez o jogo É menos agradável, esse aumento artificial dos espectadores vai sofrer um corte. Futebol não é 5 minutos de ação, é muito mais do que isso, é expressão cultural, uma forma de identificação.
IDEM

Essa foi a resposta de um treinador conceituado, que tem a admiração e o respeito do grande Pep Guardiola, técnico do Manchester City, e que não é tão ouvido como deveria ser. Ouvido por todos nós, mas também pelos dirigentes esportivos, aqueles que têm o papel e a caneta nas mãos para tomar decisões e fazer muito mais do que estão fazendo.

Cartaz da Conmebol para a partida entre Uruguai e Brasil pela Copa América / Conmebol