Ganhar é a essência do esporte. E sempre será. No futebol, ser campeão está enraizado na alma desses garotos que tentam a sorte nos campinhos desde o primeiro chute em uma bola. Vencer traz prestígio ao time formador, aos familiares e ao próprio garoto, que ganha a certeza de estar no caminho certo. Ocorre que no Brasil, ao menos nos clubes grandes, a maior competição de meninos mudou a lógica do trabalho feito nas bases, trabalhando pelas taças e não para atender o time profissional. É preciso conhecer a grande finalidade na Copinha, a Copa São Paulo de Futebol Junior, uma competição nacional.

Imagino que entre os profissionais cuja missão é formar jogadores, esse caminho até o futebol de cima está mais bem traçado e o torneio é encarado como apenas um curto momento na trajetória desses meninos até o profissional. Digo que ganhar a Copinha não tem a menor importância para o time principal se o treinador de cima não puder aproveitar nenhum de seus garotos da base. Dos 30 meninos do Palmeiras no torneio de 2022, 13 já estiveram com Abel Ferreira. Esse é o propósito.

Time do Corinthians campeão da Copinha de 2015

No fim do segundo mês do ano (a Copinha geralmente é disputará em janeiro e tem sua final no feriado do dia 25, aniversário da cidade de São Paulo), ninguém mais sabe quem foi o campeão da disputa, a não ser que alguns desses jogadores subam e consigam dar sequência à sua carreira.

Ganhar a Copinha é uma alegria momentânea, encerrada com o recomeço da temporada para os adultos no futebol. Mas há um bom motivo para que esses garotos se esforcem tanto e corram atrás de seus objetivos. Eles esperam pela Copinha com ansiedade. Sabem que a disputa é a antessala da equipe principal de todos os times do Brasil. São tratados como talentos porque eles são observados dessa forma, como verdadeiras pepitas. Podem tanto brilhar na equipe de cima quanto serem vendidos para o exterior. Mercados como o europeu, e mais recentemente o americano, estão recrutando esses garotos cada vez mais cedo, no berço esportivo.

Esses atletas da Copinha estão numa verdadeira corda bamba, em que de um lado está o estrelato e do outro o fim de linha. A competição costuma ser um divisor de águas para eles. É o último estágio para o profissional. Os aprovados vão se tornar jogadores de verdade, e alguns vão ganhar muito dinheiro e talvez títulos, com convocações até para a seleção, que sabe. O sonho continua. É o que se pode chamar de “a hora da verdade” para eles.

Os reprovados vão insistir um pouco mais até serem esquecidos e também pressionados pelo avanço da idade. O sonho de ser jogador vai dando lugar a outras aspirações.

Obrigação das bases

É obrigação das bases fornecer jogadores para o time de cima ou para o mercado. Esse é o DNA dos clubes brasileiros, uma vez que o dinheiro de outras fontes parece não ser suficiente para sustentar uma temporada, em nenhuma divisão. Faz-se dívidas no futebol brasileiro como se troca de bola a cada torneio. Um abuso, cujos contratos vão se arrastando ou param na Justiça. A SAF (Sociedade Anônima do Futebol) talvez resolva isso.

Time do Palmeiras que disputou a Copinha em 2022

O Palmeiras é exemplo do que se deve fazer nas bases. Há outros em situação parecida, mas o time paulista conseguiu nos últimos dois anos lançar e fazer dinheiro com sua molecada. Alguns deles fracassaram na Copinha para depois estarem no elenco campeão da Libertadores. Ou seja, esses meninos não têm Copinha, mas já têm Libertadores.

O Corinthians é o time que mais ganhou a competição dos garotos e buscou no mercado pelo menos seis de seus principais jogadores para a temporada passada. Eles ficarão para 2022. Ganha a Copinha, mas não forma na base. Ganha a Copinha, mas não tem atletas como opção de mercado ou para o time principal, salvo um ou outro. É pouco! Clubes grandes investem perto de R$ 10 milhões por ano nas categorias inferiores. Precisa, no mínimo, recuperar esse dinheiro. E ganhar a Copinha não paga a conta.

Barcelona

Times europeus tentam juntar todas as suas divisões espelhando o elenco de cima. O Barcelona faz isso desde Cruyff. Todas as categorias atuam no mesmo sistema de jogo e filosofia. Isso vai desaguar na equipe de cima. Pep Guardiola foi contratado pelo Bayern de Munique para dar uma identidade ao time alemão, que ganhava competições sem ter uma filosofia de trabalho única, uma cara, um DNA, a não ser a vontade de atacar, atacar e atacar.

As bases no Brasil precisam pensar da mesma forma. Penso que a formação do atleta é tão importante no futebol que o departamento deveria ser entregue a profissionais de primeira linha e acompanhada de perto pelo presidente. Deveria ser tão bem tratada como o time principal. Há clubes que fazem isso. Outros estão aprendendo a fazer. Alguns ficaram para trás.

Ganhar a Copinha é importante, como ganhar é sempre importante no esporte, mas é preciso entender melhor a finalidade do torneio de garotos.

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