Há muitos anos sigo os passos de Pelé. Antes de ser editor, sempre me candidatei para fazer as buchas que eram as entrevistas do Rei do Futebol, sempre concorridas por dezenas de jornalistas, convidados, curiosos e todo tipo de pessoa que tenta tocar e se aproximar dele. É lembrança para o resto da vida. Pelé sempre arrastou multidões por onde passou. Ninguém fica indiferente à sua presença.
Já perdi as contas das vezes em que estive com ele em entrevistas. Quando rola um quebra-queixo, é cada um por si. Houve algumas exclusivas pessoalmente e também por telefone. Fiz reportagens em que Pelé convida jornalistas de veículos importantes e dedica minutos de sua atenção a cada um deles. Fiz uma dessas no Museu Pelé, em Santos, por ordem dos 50 anos do seu milésimo gol, em 2019.
A mais legal entrevista de todas, no entanto, foi na casa do Pelé, no Guarujá. Estive com Luiz Antônio Prósperi, meu editor na época, e com Eduardo Nicolau, editor de fotografia do Estadão. Passamos uma tarde falando com Pelé, ele sempre prestativo, nós com o coração explodindo de sentimentos com sua presença, o lugar, a entrevista e tudo ali que nos cercava, inclusive algumas relíquias que ele nos mostrou de sua coleção pessoal, lembranças de suas andanças como o melhor jogador do mundo de todos os tempos.
Estar com Pelé para mim sempre significou muito mais do que meu trabalho. Era como se eu estivesse com Albert Einstein, Picasso, Leonardo Da Vinci, Ludwig van Beethoven e tantos outros gênios da humanidade, cada um em sua área de atuação e época. Há duas semanas, no entanto, tenho ligado para pessoas para saber do estado de saúde de Pelé. Aos 80 anos, há um mês de completar 81, ele se internou para exames regulares e descobriu um tumor no cólon direito do intestino. Era para entrar e sair no mesmo dia do hospital. Mas ficou.
Ele teve de retirar o tumor às pressas e permaneceu em recuperação na UTI, saiu, voltou, entrou em um quarto semi-intensivo, voltou para o quarto de novo e o mundo acompanhou tudo isso de forma aflita e atenta. Não se publica informação sobre Pelé sem confirmação. Tenho, nessas andanças de repórter, alguns caminhos para isso, profissionais em quem confio e que estão, de alguma forma, ligados a ele.
Talvez as pessoas fora do mundo esportivo não tenham noção do que significa Pelé. No esporte é mais fácil de entender. Ele foi simplesmente o maior jogador de todos. Ninguém chegou perto dele nesse quesito, nem Maradona, a não ser para os argentinos, que jamais vão admitir que o brasileiro esteve anos luz de distância do camisa 10 de sua seleção.
Mesmo que assiste Pelé em sua velhice acha um absurdo tantos jornalistas procurarem informações sobre ele por um ‘simples espirro’. Só teremos essa dimensão quando Pelé morrer, mais ou menos como temos diante dos nomes citados acima da música, ciência, arte… Pelé conversaria sem problemas com Picasso ou Beethoven sobre suas obras e o que andam fazendo da vida, tivessem eles vividos numa mesma sociedade ou tempo.
Felizmente, sua família sempre soube lidar com a fama. Agora são suas filhas e filhos que tomam conta dele ou ao menos informam ao mundo nas redes sociais sobre suas coisas, seu estado de saúde, suas atividades, como fez Kely Nascimento, sua filha do primeiro casamento, que morava com a mãe, Rose, nos Estados Unidos.
Coube a ela tirar fotos do pai no hospital e mostrar, quase que num passo a passo, sua recuperação. Foram dias difíceis, de vitórias e derrotas, de passinhos para frente e alguns para trás também, mas sem perder a fé e a confiança nos médicos, como o próprio Pelé se manifestou em suas redes sociais. Ele tem usado o Instagram. As ideias são dele mesmo. As fotos tiradas com sua autorização. Quem escreve são aqueles que o acompanham. Pelé nunca esteve sozinho.
Quando Pelé fez 74 anos, estive com ele. Pude perceber situações que ainda não tinha visto nem estavam em meu imaginário. Replico aqui um parágrafo daquele encontro, publicado no Estadão há mais de cinco anos. “Prestes a completar 74 anos (dia 23 de outubro), Pelé não mostra o mesmo vigor físico característico em aparições públicas, manca da perna direita e precisa se apoiar em quem estiver mais perto dele para manter-se ereto. Tudo por causa da cirurgia do fêmur realizada em novembro de 2012 e por um incômodo novo, e solucionado em princípio, na coluna, nas vértebras L2 e L3.
Pelé abandonou lá atrás a fisioterapia, recomendada pela filha e especialista Flávia Christina Kurtz, que o acompanha desde a operação. Sua condição atual o deixa cada vez mais longe de uma velha companheira, a bola, com quem brinca desde os tempos de Bauru Atlético Clube, o Baquinho, quando ainda era um moleque como outro qualquer.”
O texto seguia: “Apesar de tudo, Pelé continua cumprindo sua agenda rigorosamente como faz desde 1977, quando parou de jogar (no Cosmos, dos EUA) para se transformar em garoto-propaganda de si mesmo e de seus feitos, eternizados em livros, filmes, vídeos e fama. Mas envelheceu como todo mundo de carne e osso.
O texto seguia: “Apesar de tudo, Pelé continua cumprindo sua agenda rigorosamente como faz desde 1977, quando parou de jogar (no Cosmos, dos EUA) para se transformar em garoto-propaganda de si mesmo e de seus feitos, eternizados em livros, filmes, vídeos e fama. Mas envelheceu como todo mundo de carne e osso.
Sua aparência está mais para um senhor beirando os 80 do que para aquele atleta que infernizava defesas rivais, e que todos nós temos nas lembranças. Pelé e a bola não conversam mais, embora pareça inadmissível pensar em um sem fazer referência ao outro. Ele ganhou sua primeira bola aos 5 anos, dada por Souzinha, amigo do seu pai, Dondinho, e ponta do Corinthians. Em 1999, a revista Placar fez uma reportagem com o Rei em que ele dizia não ter nenhuma bola em sua casa.”
Foi a reportagem mais triste que fiz de Pelé até hoje. Nunca vi Pelé jogar ao vivo, mas sempre tive uma visão de suas partidas, corridas e gols nas partidas, essas imagens que passam nas tevês. Quando ele deixou o Brasil, em 1974, com destino ao Cosmos, dos EUA, eu tinha seis anos. Meu pai conta que eu tentava pegar a bola na única TV que tínhamos durante as partidas de futebol. Não me lembro disso. Mas vi depois, da forma que consegui, muita coisa sobre Pelé, todos os seus filmes, boa parte dos seus gols, alguns dos seus livros e ouço quase tudo o que ele fala desde então.
A escolha da profissão me deu a chance de estar perto dele. Quando Pelé saiu do hospital com os dois gêmeos do casamento com Assíria, lá estava eu na porta do hospital para tentar uma palavrinha. Os meninos já alcançaram a maioridade. Quando ele lançou o filme ‘Pelé Eterno’ nos cinemas, fui convidado para a seção de estreia e entrei com ele na sala de cinema. E assim foi nesses últimos 30 anos.
Sempre que posso, escrevo sobre ele. Pelé se recupera da saúde no hospital em São Paulo e até gol no ar já deu no corredor do local, demonstrando que vem ganhando mais essa partida. Em breve, ele vai completar 81. Tomara esteja com saúde.
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