Depois de passar pela base do São Paulo e pelo Avaí, Alex abraçou sua nova carreira de treinador no Antalyaspor, clube modesto da primeira divisão da Turquia, onde está atualmente sozinho, longe da mulher e dos três filhos. Alex mora no centro de treinamento do clube, na cidade litorânea de Antalya, a 700 quilômetros de Istambul, onde estão os três principais times do país: Fenerbahçe, Galatasaray e Besiktas.
Quando fazíamos a entrevista, a energia do alojamento caiu. Alex tem ideias claras do futebol, do futebol turco, da condição do seu time, da montagem de uma equipe, da sua carreira de atleta e de treinador e da experiência que carrega consigo.
Alex fala de Neymar e da seleção
Ele fala de tudo isso nessa entrevista ao The Football. Alex também comenta a condição da seleção brasileira, de Dorival e de Neymar. E acompanha como pode a carreira dos filhos. Maria é uma tenista profissional faz um ano. Ela mora na Argentina. Antônia joga vôlei em Barueri. Depois de cinco rodadas, o Antalyaspor ocupa a oitava posição na tabela, com duas vitórias, um empate e duas derrotas.
O que você pode dizer do seu time time e de como foram esses primeiros meses de adaptação, de conhecimento dos jogadores e da formação da equipe.
Antes de falar do time, tenho de falar da Liga Turca. Ela é dominada pelos três grandes do país de Istambul: Galatasaray, Besiktas e Fenerbahçe. Eles sempre brigam pelo campeonato. Ao longo da história, além dos três, Trabzonspor aparece com uma quarta força. É uma equipe tradicional. E outras duas já ganharam o campeonato. As outras equipes não tiveram a felicidade de ganhar a Liga.
E o seu time?
Chegando ao meu time, o Antalyaspor, sua melhor campanha foi um quinto lugar. Briga normalmente entre nono e 13º ou 14º. Foi 10º na temporada passada. Salvo um ano, 2016/17, acabou na quinta colocação. Acerto o contrato e converso muito sobre isso: manter o time nas posições em que ele se encontra e, se possível, num trabalho muito legal, poder levar para oitavo ou sétimo.
Isso tem a ver com o tamanho do investimento que é feito?
Tem a ver com tudo. Nosso time está numa cidade litorânea, grande parte do país vem passar suas férias aqui. Quando querem praia e um descaso maior, eles vêm para cá. Não é um clube com grande público. Temos uma média de 10 mil a 12 mil torcedores. Estrutura física é muito boa, teve investimento, com um CT legal, onde moro. O governo fez um apoio e tem estádios muito bons na Turquia. Mas o investimento no time é pequeno. A categoria de base ainda é um mistério para eles, uma realidade bem diferente do que estamos acostumados no Brasil.
O que você leva para o futebol turco como treinador?
Me apresentei como sou, de trabalho organizado para montar uma equipe competitiva, oferecendo meu trabalho dentro da realidade do clube. Os jogadores que pedi estavam dentro do orçamento. Infelizmente eles não vieram. Tem uma seriedade grande com o transfer ban na Europa. Essa diretoria tem um ano e pouco e está tentando resolver isso aqui. Minha oferta era de muito trabalho e fazer um time competitivo. Fechando dois meses, as coisas estão caminhando.
Quanto é difícil enfrentar os três grandes da Turquia?
A dificuldade nem é enfrentar os três grandes. A grande maioria nem conta com os pontos diante deles. A dificuldade é enfrentar times do nosso tamanho. Empatamos 0 a 0 com um rival maior do que a gente. Em casa, estávamos perdendo para um adversário do nosso nível e revertemos a situação para 3 a 2. Na quarta rodada, voltamos a Istambul para enfrentar um rival que já foi campeão, e perdemos. Está dentro do normal, portanto. De vez em quando, você consegue vencer os grandes.
Ganhar de um desses grandes causa um frisson diferente?
Não há dúvidas. Mas eu nem foco em cima do resultado. A maneira que você joga é que vai determinar esse caminho. Temos, sim, essa consciência de que ao enfrentar e ganhar de um grande, isso pode dar um enfoque diferente. Mesmo com resultado de derrota, mas com partida bem jogada, isso valoriza o que está sendo feito no clube.
A sua chegada mudou alguma coisa do seu time em relação ao campeonato?
Não mudou nada. Eu sou um grande nome no país, mas como jogador. Comigo não vieram dinheiro, investimentos e reforços. Tivemos quatro ou cinco contratações dentro da realidade do clube. Cerca de 80% do elenco jogou a temporada passada. Poucos saíram. O que a gente se baseia é em fazer uma equipe organizada. Por exemplo, perdi o lateral-esquerdo, expulso. Ele pegou três jogos. Estamos jogando com um menino que tiramos na base. Eu pedi um lateral, mas não veio. Tivemos a expulsão do titular e único da posição, e temos de nos virar por três semanas com um menino, que está se virando bem. O menino está aproveitando a chance. É a realidade que temos.
Você disse que há pouco olhar para a base. O que o Alex leva da sua experiência na base do São Paulo, por exemplo?
O que existe é um ideal, aquilo que a gente gosta, ideias idealizadas na nossa cabeça e de quem gosta de futebol. A outra coisa é o que você tem de real no clube. Trago do Brasil minhas experiências vividas enquanto atleta e treinador da base do São Paulo e do Avaí, junto com a experiência de quem está aqui, para chegar a uma realidade diferentemente do que vivia no Brasil, no São Paulo e no Avaí. Digo isso pela diferença de clube, dos torcedores, de como todos se enxergam no time.
Há projetos para a base do time ser desenvolvida?
Eu faço coletivo com a molecada que está na base do sub17 e sub20. De repente aparece algum moleque. O (Vanderlei) Luxemburgo fazia isso muito bem, principalmente naquele Cruzeiro de 2003. Aqui já aparecem dois meninos, um foi para o banco e o outro é esse lateral-esquerdo. Uso a base dentro da possibilidade do clube. Vou me aproximar da base, me utilizar dela quando for necessário para treinar e, se puder, usar como fiz.
Quais são suas ideias como treinador?
Minha ideia é ter a bola na maioria do tempo. Com a bola, ter boas movimentações, usando da qualidade dos jogadores, dependendo se por dentro ou por fora, isso vai variar muito como estratégia, pensando no adversário. Penso numa equipe técnica e que controle e entregue bem essa bola e seja agressiva o tempo todo. Sem a bola, que o meu time ofereça pouco para o adversário, com boas compensações em termos de cobertura, sempre próximos um do outro. O principal é ser intenso, com ou sem a bola. Ter bons jogadores.
E como está esse processo no seu time? Há jogadores de países diferentes?
No São Paulo, tínhamos esses jogadores que busco aqui. Eles eram sonhadores e tinham qualidade técnica parecida. Não havia craques, mas não tinha nenhum em condição ruim. Diferentemente um pouco do Avaí, com um grupo desregulado, com a parte cognitiva menor do que no São Paulo e um entendimento menor da situação. Aqui há jogadores de várias nacionalidades, querendo e buscando esse entendimento. Há jogadores turcos que nunca jogaram em outros times e atuam num clube médio do país. É uma realidade diferente da que tinha.
Como é a sua comunicação com o elenco?
Há jogadores de vários lugares. Tem um zagueiro brasileiro (Thalisson), jogadores da Holanda, de Israel, da Bósnia… há turcos que nasceram na Alemanha e Bélgica. Há dois tradutores no elenco. Falo diretamente com os atletas e, quando tem algo que não consigo atingir, em inglês e turco, os tradutores estão ali para ajudar.
Acha importante ter um cara que assuma o time? Um jogador para quem todos olham e passam a bola na hora do aperto?
Mais que isso, quando você vai montar um time, você tem um jogador técnico, um rápido, um mais forte, um comunicativo, um líder por tempo de casa… É uma junção de fatores. Quando cheguei ao Palmeiras, esse cara para quem dávamos a bola era o Zinho, já com 30 anos, experiência absurda, campeão do mundo. Todo clube tem esse cara. As lideranças e características vão aparecendo. Com dois meses na Turquia, já tenho a percepção de como cada um age no treino e no jogo. De novo voltamos ao mundo ideal e real. Qual vai ser o meu parâmetro aqui? Isso acontece até para formar o time, fazendo pares, com as escolhas na formação.
A comunicação não deve ser fácil.
A dificuldade é se comunicar. No futebol, de modo geral, aquele jogador que buscava respostas e fazia perguntas está desaparecendo. No meu tempo, tinha mais choque de ideias. A geração atual não tem isso, não quer isso. Na chamada de atenção, o atleta pode se retrair e aparecer um novo problema para você. Isso é uma busca diária. É uma geração diferente.
Sua geração como atleta era diferente?
Na minha geração, havia uma autonomia das decisões. O clube era uma extensão da rua. Você ia para o clube por duas horas para jogar bola. Hoje, o atleta vive dentro do clube regrado por alguém. Hoje, meninos de 12 anos passam muito tempo nos clubes. Não há mais aquela autonomia que se tinha com a liberdade das ruas. Meninos nascidos em 1993 ou 1994 ainda tiveram essa liberdade, talvez. Depois não tem mais. Essa liberdade existe em cidades menores, mas não em cidades grandes. Isso afeta na ponta da pirâmide para esse tipo de autonomia e decisão no futebol. É uma geração diferente da nossa.
Qual setor do campo decide jogo?
Defender bem decide jogo. Isso não quer dizer que você vai jogar com dez jogadores atrás, defendendo a casinha do seu goleiro. Eu defendi muito sem a bola com o Felipe (Scolari), era uma característica dele. Defendi muito com a bola, que era uma característica do Luxemburgo e do Zico, que dizia que quanto mais tempo você tiver a bola, mais tempo vai ter para descansar e não correr atrás dos rivais. Em esportes de invasão, quanto melhor você defender, menos você oferece ao adversário e mais condições você tem de chegar ao resultado. No futebol de hoje, muitas equipes ganham na transição. Quem tem a bola tem mais chances de chegar ao resultado. Defender bem é um passo importante para você vencer jogos.
Você olha para alguns treinadores para aprender?
Eu estudo e ouço todos eles, converso com os treinadores que tive, com os técnicos que vejo, quem já foi meu adversário. Quando consigo falar com alguns deles, existe essa troca. Ela é sempre boa. Eu sempre conversava com os treinadores da base do São Paulo e dos rivais. Edson Abobrão, lateral do Corinthians e da seleção e que treinava a Ponte Preta, era um desses. Sempre falávamos. Enfrentei o Seabra, hoje do Cruzeiro, quando estava no Deportivo Brasil e as nossas conversas eram frequentes. Quando estou com o Luxemburgo, faço um milhão de perguntas… com o Zico. Ligo para o Paulo Autuori e faço perguntas. Sou menino na função e sou curioso. Ao mesmo tempo, com a internet, você busca informações e vai tirando alguma coisa. Eu sou xereta, vou atrás.
E desses badalados, como Pep Guardiola e Carlo Ancelotti? Esses caras te oferecem alguma coisa?
Eles são referência mundial. Dá para tirar coisas deles, sim. Ancelotti jogava com um centroavante e na última temporada puxou o Bellingham para jogar no meio. Não temos o Bellingham nem o centroavante, mas a ideia está ali. O treinador do Como, da Itália, não tem os pontas e joga como na década de 1990, com dois volantes e dois meias. O Thiago Motta vem fazendo alguma coisa no Bologna. O Guardiola tem o controle da bola, mas ele busca o jogador que se adequa ao que imagina. As ideias estão aí. Você anota e vai buscar dentro da sua realidade. Não é vídeo game. Tem de tentar entender o que você tem nas mãos para montar o time.
Para muita gente parece mais fácil do que você fala.
Não é só tirar um e colocar outro. Há muitos fatores no meio do caminho. O Corinthians contratou o Depay e muitos falam como o time pode jogar. Não é bem assim, sem conhecer os jogadores não é tão simples. O trabalho do Abel (Ferreira) no Palmeiras passa por isso. Ele puxa um pra cá, outro pra lá, sobra a lateral… Eu me lembro quando ele dobrou a lateral com Marcos Rocha e Mike, isso foi um fuzuê danado. O Artur volta e tem o Dudu na direita e ele tenta outras coisas. Quem fala na TV ou na arquibancada não tem esse conhecimento do dia a dia. Eu vi vários jogos na Série D e tinha ideias ali, mas eram difíceis de serem executadas pela qualidade. Uma coisa pouco discutida é porque você troca de treinador. É pelos resultados e porque não ganhou jogos ou é pelas ideias dele? Eu anoto as ideias.
Seu time joga como?
Meu time não tem volante, volante, aquele número 5, um César Sampaio, um Mauro Silva. Na liga que eu jogo, esse jogador é importante. No São Paulo sub-19, o time foi construído a partir das características do Pablo Maia. Percorrer espaço, fazer a cobertura, ter passes longos … nesse meu elenco atual, não temos ponta. Chegou um da África que joga pela esquerda. Em termos de característica, falta um meia que entre na área. Temos três muitos parecidos. Na hora de escalar tem de quebrar a cabeça porque falta característica.
Abel, do Palmeiras, falou que todo time deveria ter dois bons jogadores na mesma posição. Você acha isso viável?
Se o Abel não tem, imagine eu. Estou brincando. Tem quem o Abel quer que tenha. É um pensamento lógico. E colocaria o que chamo de jogador universal, com três funções, como era o Mazinho na seleção. Não é difícil ter um jogador assim. Tem jogador que pode jogar de meia e de volante…É importante ter jogador que possa ser lateral e zagueiro pelo lado esquerdo. O Beraldo era zagueiro do lado esquerdo do São Paulo. Mas comigo ele era do lado direito. Pablo Maia era volante e zagueiro central e pelo lado direito. O Lucas Moura joga por dentro, na esquerda e na direita. Ter dois na mesma posição é algo espetacular e ter esse jogador universal é algo maravilhoso.
Onde você quer chegar?
Cara, quero ter uma carreira sólida como tive como atleta, se puder falar contigo daqui a 20 anos e ainda for um treinador, é algo que vou olhar para trás e dizer que deu certo. Não é simples, você depende de uma série de fatores para a coisa acontecer. As portas se fecham muito rapidamente. Hoje tem muitos estrangeiros e tem muitos brasileiros que não tem mais emprego. Eles não conseguem arrumar trabalho no Brasil nem fora. É uma busca por novidades e a novidade é ganhar títulos. Quero ter uma carreira sólida, no Brasil, na Turquia ou em qualquer lugar. Eu me diverti como jogador e quero ter esse período de trabalho como treinador.
Como é o seu estilo à beira do gramado?
Eu acredito muito no trabalho da semana. E vivenciei duas situações dessas. No São Paulo, eu tinha tempo de treinar, jogar e corrigir os erros do time. Aqui na Turquia também tenho esse tempo. No Avaí, tive 14 dias de pré-temporada e jogava de quarta e domingo. Aí você já não treina mais. Eu acredito muito na conversa de pé de ouvido com o jogador. Chamo o cara e falo com ele porque o jogo para muito e dá para fazer isso. Não acredito naquele jeito de treinador que se movimenta muito, mas respeito todos eles. Cada um tem a sua maneira.
Como você vê a seleção brasileira neste momento?
Eu estive com eles no Paraná, estava no Brasil pela data-Fifa e falei com todos eles. É um momento novo. Eles pegaram o trabalho do Diniz, que, infelizmente, não aconteceu. O Dorival tinha uma perspectiva grande porque começou bem nos amistosos contra Inglaterra e Espanha, precisava vencer o Equador nas Eliminatórias e venceu. Com o passar do tempo, acredito que a coisa vá melhorando. O Brasil vinha de resultados ruins e precisava vencer. O problema é aquela coisa que já vivenciamos, eu particularmente: perde a Copa América, não se classifica para a Olimpíada, a CBF vive um momento conturbado… Tudo isso não é um problema do Dorival, mas acaba sendo. Existe uma discussão que é grande, sobre renovação pensando no futuro. Eu acredito demais nessa comissão técnica. Acredito que o Brasil tenha bons jogadores. Vai passar os perrengues e vai se classificar. Esses perrengues vão dar forças para chegar ao Mundial e competir bem e buscar o título, que é o que todo mundo quer.
É possível mesmo olhar para a seleção brasileira e ver esse título na Copa?
É possível. A Copa é um torneio de um mês. Joga no grupo, que é por ranqueamento, mesmo que caia no grupo da morte, o Brasil passa e aí vai para o mata-mata e pode acontecer qualquer coisa. Em 2002 foi assim. Em 1994 era assim,com discussão em cima dos nomes e do treinador. Sempre foi assim. A gente quer que o Brasil vença e tenha uma performance espetacular sempre. O pré-2002 foi um negócio assustador e venceu. Hoje temos bons jogadores espalhados pelo futebol mundial. O importante é fazer um time. Ainda não temos esse time.
Essa liga que a Argentina conseguiu é que falta ao Brasil? É isso?
Essa pergunta que você fez a respeito do Brasil é a mesma que faziam na Argentina antes de ganhar a Copa América no Brasil. Era igual. Eles tinham um gênio super questionado, que era o Messi. Existia um comparativo com jogadores anteriores, principalmente com Maradona. Nós temos esse jogador super questionado que é o Neymar. Externamente, ele é super questionado. Internamente, ninguém questiona e todos sabem da qualidade dele. Todos questionaram a capacidade do Scaloni pela idade dele. Talvez o Dorival não tenha essa cobrança da idade, mas muita gente fala se ele é o nome correto para a seleção. Então, é uma cartilha que se apaga pela conquista do Mundial. Se o Brasil conseguir conquistar o Mundial, isso aqui que estamos falando vai para o ralo. Se não conseguir, a pressão aumenta para o próximo ciclo. Eu comecei a entender o futebol na Copa de 1986 e não me lembro de algo diferente disso, com a seleção sempre questionada pela torcida e pela imprensa.