Corinthians e Palmeiras voltam a campo neste sábado para mais uma revanche. Menos de um mês depois dos confrontos que decidiram o Paulistão, os dois maiores rivais do Estado se enfrentam pela terceira rodada do Brasileirão, em Barueri, o estádio substituto do Allianz Parque cedido mais uma vez ao show business. Por lá, o palco é todo de Gilberto Gil e das canções que embalaram o tempo rei do cantor baiano.
Diante de um jogo que canaliza tantas paixões é difícil prestar atenção em qualquer assunto periférico. Em semana de dérbi nada mais parece ter importância. Talvez por isso pouca gente tenha prestado atenção no lançamento de um documentário sobre a vida e obra de Memphis Depay em sua ainda efêmera passagem pelo Brasil.
Mesmo reconhecendo toda a nobreza do clássico, é preciso falar desse filme. Ele diz muito sobre o futebol brasileiro e sobre jogos desse tamanho, que às vezes nosso complexo de vira-lata nos leva a acreditar que só existam fora do nosso país.
É interessante mensurar o valor de um dérbi sob o ponto de vista de um holandês que até ontem nem devia saber onde ficava a capital do Brasil, mas que hoje reconhece a delícia de estar inserido no contexto da cultura multifacetada de um país com as diferenças sociais, étnicas e econômicas. O País do Futebol, para quem o vê com olhos de forasteiro, vai muito além do jogo de bola.
“Memphis, Ecos de Um Novo Mundo”
“Memphis, Ecos de Um Novo Mundo”, é um documentário curto, com duração de 16 minutos e 51 segundos, narrado em primeira pessoa pelo próprio jogador corintiano. A obra teve produção executiva de Ulisses Neto, Gianluca Vitale e Thiago Slovinski. O futebol aparece na narrativa apenas como o fio condutor da decisão de vida que fez Memphis Depay deixar a zona de conforto em que vivia na Europa para aceitar um desafio às escuras num terreno desconhecido.
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No entanto, o filme não fala só de futebol e procura mostrar traços da personalidade de Memphis que pouca gente conhece. Obviamente, a obra é autorreferente, retrata um ponto de vista único e, como tal, precisa ser entendida como um recorte de uma realidade mais ampla.
“Acompanhamos o Memphis há mais de dois anos e vimos de perto quando essa virada na carreira dele começou. A trajetória rumo a um recorde histórico com a seleção acabou se entrelaçando com algo mais íntimo: o desejo de pertencimento. O Corinthians entrou nessa história como um elo inesperado e profundo. No curta, que é parte de um documentário longa-metragem ainda em produção, o torcedor vai sentir que essa conexão com a Fiel é sobre o que atravessa, sacode e revela quem a gente é”, afirmou o diretor da obra, Ulisses Neto, ao site oficial do Corinthians.
O documentário está dividido em quatro atos. E mostra os passos do atacante desde sua chegada ao Timão.
Essa é a primeira vez que chego a um país para trabalhar e sinto que a mudança é muito maior do que o futebol. A conexão que tenho com a torcida é algo especial que nunca tive antes. Ainda existe a barreira da língua, mas às vezes as palavras não precisam ser ditas.
MEMPHIS DEPAY, CAMISA 10 DO CORINTHIANS
Um dos pontos mais impactantes da obra está nas várias tentativas de demonstrar a conexão do craque multimilionário com as pessoas invisíveis que lutam pela sobrevivência numa grande metrópole como São Paulo. Gente pobre, preta, marcada pela cruel herança da escravidão e ainda tocada pelos desígnios da desigualdade social.
Brasil e Gana: tudo a ver
Para Memphis, Brasil e Gana, o país africano de sua origem, têm muito em comum. Não por acaso, a ida do jogador à comunidade do Jardim Santa Cristina, em Santo André, está fartamente documentada no filme.
“Os pobres estão se sentindo oprimidos em todos os lugares. Por isso quero lançar uma luz sobre eles. Quero mostrar que mesmo que você nasça num lugar assim, você pode sair. Mostrar que existe esse caminho é minha missão”, diz Memphis no documentário.
Neste sábado, se a lesão no tornozelo permitir, Memphis estará em campo contra o Palmeiras, cumprindo mais um capítulo dessa missão. Com toda certeza, ele é figura central desse encontro de grandes jogadores e duas equipes que podem brigar pelo título de campeão do Brasil.
Muito mais do que jogar futebol
Embora reconheça que essa é a tarefa que lhe cabe como atleta do Corinthians, todo jogo na vida de Memphis aqui no Brasil tem um valor extra. Vendo o documentário, e conhecendo sua conexão com o Time do Povo, dá para entender o que ele quer dizer quando afirma, no filme: “O meu projeto é muito maior do que jogar futebol num estádio lotado.”
Como essa crônica começa com Gilberto Gil e termina com Memphis Depay, que também tem um projeto musical, The Football deixa como homenagem a letra de um clássico da MPB. “Refavela”, de Gil, 1977 – canção em que o compositor visualiza uma transformação cultural que transcende a pobreza e a marginalização.
