Um movimento orquestrado pelos principais jogadores dos grandes clubes brasileiros deu início nesta terça-feira, dia 18, a uma cruzada contra a utilização de gramados sintéticos no País.

Num texto de não mais que quatro parágrafos, e de autoria desconhecida, amparado pelo sugestivo título “Futebol é natural, não sintético!”, craques do porte de Neymar, Memphis Depay, Lucas, Alan Patrick, Phillipe Coutinho, Thiago Silva, Bruno Henrique e Gabigol compartilharam em suas redes sociais a mensagem que pede o fim dos campos de grama artificial em favor do “espetáculo”.

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Antes de entender, e tentar explicar, o que isso representa, vale condensar alguns trechos da nota:

“Preocupante ver o rumo que o futebol brasileiro está tomando. É um absurdo a gente ter que discutir gramado sintético em nossos campos. Objetivamente, com o tamanho e representatividade que tem o nosso futebol, isso não deveria nem ser uma opção. A solução para um gramado ruim é fazer um gramado bom, simples assim. Nas ligas mais respeitadas do mundo os jogadores são ouvidos e investimentos são feitos para assegurar a qualidade do gramado nos estádios. Trata-se de oferecer qualidade para quem joga e assiste. Futebol profissional não se joga em gramado sintético.”

Gramado do Allianz é sintético: Palmeiras é responsável pela qualidade do campo em parceria com a WTorre / Palmeiras

Na teoria, a posição dos jogadores é incontestável – embora a Fifa aprove a utilização da grama sintética, dentro de padrões por ela estabelecidos, em todos os lugares do mundo.

Na medida em que eles são cobrados pela qualidade do futebol que apresentam, nada mais justo que, em sua defesa, reivindiquem as melhores condições de trabalho possíveis. Isso é básico para qualquer trabalhador, em qualquer atividade.

Quais os interesses dos atletas?

O nível de cobrança tem que levar em conta a qualidade do gramado, a perfeição da bola, a correta aplicação das regras do jogo, as condições de segurança dos estádios, o nível dos treinamentos, o cuidado com a alimentação, a evolução do preparo físico, o atendimento médico…

Num futebol cada vez mais competitivo e destrutivo, o talento dos jogadores só não basta. É preciso que os clubes ofereçam padrões de excelência para a preparação de seus atletas. Ressalvado esse direito do trabalhador do futebol, é preciso tentar vislumbrar quais outros interesses estão por trás desse movimento súbito que os fizeram levantar essa bandeira.

Até porque, ao que se saiba, a qualidade dos gramados artificiais existentes no Brasil é bem superior a de muitos campos de grama natural, onde proliferam buracos, areia e até tinta verde para esconder imperfeições.

Pacaembu foi reformado e também optou pelo uso de grama não natural: estádio foi reaberto recentemente  / Corinthians

Esqueça a referência daquele campinho de futebol society do fim de semana com os amigos. O padrão de grama sintética utilizado hoje sob o protocolo da Fifa é um produto que está em outro patamar.

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Ainda assim, o manifesto dos jogadores desconsidera essa qualidade e aponta para uma única solução possível para a questão: “a solução para um gramado ruim é fazer um gramado bom, simples assim”, ressalta a nota dos atletas, com propriedade.

O recado de Abel Ferreira

De fato, historicamente, clubes, federações, dirigentes e os próprios jogadores fizeram vistas grossas às más condições dos gramados brasileiros, negligenciando investimentos para obter campos perfeitos. Ainda hoje, no ápice do profissionalismo, dá para se contar nos dedos quantos estádios brasileiros de jogos da Série A têm gramados que merecem elogios.

Neste particular, vale lembrar uma advertência feita pelo técnico Abel Ferreira, do Palmeiras, quando os adversários que perdem no Allianz Parque sempre levantam como desculpa o fato de o Palmeiras ter a seu favor um gramado sintético.

“Quando todos os clubes do Brasil tiverem um gramado igual ao do estádio do Corinthians, poderemos falar sobre os gramados sintéticos dos outros estádios”, disse o português.

E aí ainda cabe uma ressalva: o gramado da Neo Química Arena não é 100% natural, e sim uma solução híbrida que mistura grama natural e fios sintéticos entrelaçados. Mas é, de longe, o campo de jogo que mais se assemelha ao padrão adotado nos estádios das principais ligas do mundo, especialmente as da Europa.

Não há comprovação contra o sintético

É possível imaginar também que o repúdio presente dos atletas aos gramados sintéticos tenha relação com o risco de contusões, sendo elas mais prováveis nesse tipo de piso do que na grama natural. Será mesmo verdade ou é apenas suposição?

Fifa deu autorização para a CBF e para todas as outras confederações de futebol para usar gramas artificiais no futebol / Fifa

Ainda não se viu estudo cientificamente provado que comprove essa tese. E seria muito bom se os jogadores pudessem apresentar essas estatísticas em defesa de seu argumento. Um levantamento criterioso ajudaria a legitimar sua reivindicação.

Fora isso há o componente técnico, muito reclamado aqui e acolá. Parece haver um consenso entre todos os atores do futebol que o piso sintético exige uma adaptação maior para o tempo de bola e a dinâmica do jogo.

Se isso é fato, logo têm vantagem as equipes que treinam e mandam seus jogos em gramados assim. Talvez o sucesso do Palmeiras no Allianz Parque possa ser a causa dessa reclamação.

Jogadores são protagonistas

Mas essa não nos parece uma ideia definitiva, que se aplique a todos os casos, pois senão o Atlético Paranaense, por exemplo, um dos primeiros a aderir ao piso sintético, já teria sido campeão do Brasil e da Libertadores.

Diante desses argumentos, e dos contra-argumentos que por certo irão surgir, o saldo positivo dessa polêmica é a manifestação conjunta dos atletas, enfim unidos por um objetivo maior, acima das rivalidades e diferenças pessoais.

Acusados de serem egocêntricos, distantes das lutas da categoria, ausentes dos sindicatos, os jogadores de futebol do Brasil sempre foram vistos como seres alienados, mais preocupados com a fama, a idolatria e a conta bancária. Hoje, finalmente, eles se apresentam ao mundo do futebol como protagonistas de cena, e não mais meros figurantes à mercê dos interesses de terceiros. Só por isso essa luta não pode ser ignorada e merece o nosso aplauso.

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