Desde que a legião de técnicos portugueses atracou sua nau em águas brasileiras, e fez do seu modo de trabalho um estrondoso sucesso, o País do Futebol ungiu uma cruz na testa dos treinadores brasileiros, condenando-os a um papel secundário, quando não rotulando-os de ultrapassados.

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Pior é que tem havido, a sustentar esse movimento de rebaixamento dos nossos treineiros à segunda prateleira na escala da eficiência, uma série de resultados positivos que confere um selo de qualidade ao trabalho dos treinadores estrangeiros no país.

Filipe Luís mostra competência em seu trabalho recém-começado no Flamengo: time joga bem e ganha jogos / Flamengo

Não há como negar, por exemplo, o sucesso de Jorge Jesus no Flamengo, a ponto de a torcida rubro-negra tratá-lo como um enviado de Deus pós-moderno.

E o que dizer da coleção de títulos conquistados por Abel Ferreira no Palmeiras? Em quatro anos ele ganhou mais do que qualquer outro treinador a serviço do Verdão em toda sua história, superando nomes do quilate de Oswaldo Brandão, Luxemburgo, Telê Santana e até mesmo o mítico Felipão. Sim, não há dúvida: Abel é o melhor treinador e maior vencedor da história do clube.

Um rival para os portugueses

Mais recentemente, Artur Jorge fez o que fez no Botafogo, para também entrar para a história como o técnico que levou a estrela solitária a reluzir no Olimpo do Campeonato Brasileiro e da Taça Libertadores da América.

Toda essa memória recente, aqui recapitulada de modo superficial, é um cuidado necessário para que se evitem teorias de conspiração, xenofobismo ou arroubos nacionalistas tão vazios quanto desnecessários. Não nos percamos por comparações. Ninguém tira dos treinadores portugueses o mérito dos trabalhos realizados. Isto não está em discussão.

Entretanto, não se pode diante disso simplesmente condenar os treinadores brasileiros, todos eles, excluindo-os de qualquer plano possível de fortalecimento dos clubes de futebol de primeira linha. Ainda que, de fato, muitos precisem despertar para a necessidade de uma reciclagem, de um novo e ampliado aprendizado de táticas, gestão de grupo e trabalho integrado com outras áreas de conhecimento, não se pode generalizar e achar que ninguém presta.

Se não há mais emprego farto para aqueles 10 ou 12 treinadores que viviam pulando de galho em galho, ora sendo dispensados como culpados, ora sendo contratados como a solução para os problemas dos principais clubes do Brasil, é bom que se olhe com mais carinho para os treinadores emergentes da nova geração.

Filipe Luís ainda é um novato

Filipe Luís, do Flamengo, é uma dessas gratas surpresas que comprovam o que dizia há décadas o jornalista Thomaz Mazzoni, quando provocado a comentar a renovação dos talentos nacionais dentro de campo. “O futebol brasileiro é uma eterna primavera”, dizia ele, certo de que uma flor desabrochava a cada chute no balão de couro.

Flamengo tem elenco forte, como tinha sob o comando de Tite: equipe agora marca melhor e ataca em bloco / Flamengo

Filipe Luís ainda é um novato, uma incógnita, uma aposta. Chegou ao time profissional do Flamengo outro dia, vivendo ali sua primeira experiência como treinador assim que pendurou a chuteira na própria Gávea.

Mas seus números são de impressionar a qualquer um, superiores até aos de Jesus no Fla. Em 18 jogos, o time de Filipe Luís soma 12 vitórias, 5 empates e apenas uma derrota (para o Fluminense), o que representa um aproveitamento de 76%.

Se os números não falassem por si só, o time mostra um futebol vistoso, capaz de arrancar do exigente comentarista Casagrande, numa de suas recentes colunas para o Portal UOL, um elogio carregado de significados: “é uma delícia ver o Flamengo jogar”.

Sim, a coisa é para quem gosta de bom futebol, para além dos resultados. O novo treinador já ganhou o título da Supercopa do Brasil em cima do rival Botafogo e começa a temporada com as melhores odds no mercado das bets para ganhar tudo esse ano.

Muito mais dos que os resultados

Mas mesmo que não ganhe – como diz Abel Ferreira, com propriedade de um vencedor, nem sempre é possível ganhar tudo que se queira –, o Flamengo de Filipe Luís pode deixar um bom legado. Ao menos para honrar a figura institucional dos treinadores brasileiros, hoje tão abalada por fracassos em campo e demonstrações de debilidade fora dele.

Filipe Luís não é um revolucionário, não está inventando a roda. Mas está se destacando por ter a coragem de impor um sistema de jogo que funcione como uma engrenagem, onde todos têm obrigações táticas.

Flamengo da temporada passada, antes da chegada de Filipe Luís, jogava de forma diferente e menos intensa / Flamengo

“É inegociável que os jogadores cumpram o que peço no plano de jogo”, diz o treinador, sabendo que até outro dia ele dividia as laranjas do vestiário como colega de seus comandados. Autoridade não se compra no supermercado, eles sabem disso.

Casagrande se encantou com a combinação de intensidade técnica e estratégia eficiente do time rubro-negro. Trocando em miúdos, estamos diante de um time que ataca com movimentação coordenada, enquanto pressiona os adversários na defesa, limitando espaços durante a transição. É uma espécie de tiki taka tropical, feito à base de amor à posse de bola e suor na marcação sob pressão intensa.

Jogo apoiado de Filipe Luís

Inspiração para jogar e transpiração para não deixar jogar. Parece tudo muito fácil, tudo tão elementar, mas a prática mostra que saber essas teorias não é dominar os caprichos da bola.

O treinador do Flamengo gosta de dizer que seu plano tático está baseado no “jogo apoiado”. O que equivale a dizer que em campo ninguém faz nada sozinho. É preciso esmero nas aproximações na troca de passe, nas triangulações pelos corredores laterais, no cuidado com a saída de bola de pé em pé, nas combinações de ida e volta dos laterais, nas infiltrações dos meio-campistas, na eficiência nas coberturas…

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Todo mundo já ouvir falar disso no futebol, nada está sendo inventado, pois. E você, certamente, mais crítico do que a crítica, deve estar louco para dizer: “mas também com esse elenco cheio de craques é fácil, até eu faria”. Não é bem assim.

Aliás, custa a acreditar que há quatro meses esse mesmo elenco era comandado por um treinador que dirigiu a seleção brasileira em duas Copas do Mundo. Olhando o trabalho de Tite e o de Filipe Luís é difícil imaginar que se trate do mesmo time, do mesmo grupo, do mesmo esporte.

Digo tudo isso e concluo com um mea-culpa. Quando muitos colegas da crônica viam em Filipe Luís a solução para o Flamengo de Tite, eu via nessa aposta um misto de cegueira e delírio. Hoje, sou obrigado a admitir que o cego era eu. Seja bem-vindo à primeira prateleira dos treinadores brasileiro, Filipe Luís!

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