É preciso olhar toda a movimentação de Ronaldo no Cruzeiro com boa dose de amor, mas também como um negócio de um empresário que já fez muitas coisas na vida antes mesmo de pendurar as chuteiras. Ronaldo é o garoto que voltou ao clube que o lançou no futebol aos 17 anos para ajudar a instituição a sair do buraco financeiro e esportivo em que se meteu. Mas também é um cara de negócios, um midas que tem a fama de transformar em ouro tudo que toca. Esqueçam o Ronaldo camisa 9, dentuço, atrás de gols. Ronaldo é outra pessoa.
Até agora, nesta empreitada brasileira, Ronaldo mostra-se um gestor competente, muito acima da média dos dirigentes que estão no futebol há décadas. Ele traz consigo um carisma que nenhum outro colega cartola tem. Isso, sim, vem dos tempos de jogador. Ronaldo sempre foi carismático. Mais do que isso, antes de assinar a papelada toda para adquirir 90% das SAF (Sociedade Anônima do Futebol) do Cruzeiro, Ronaldo se cercou de uma porção de profissionais para vasculhar cada pedaço do clube mineiro, sem dar brechas para ser enganado ou para dar com os burros n’água em sua aventura. Ou melhor: que fique claro que não se trata de uma aventura do R9. É negócio grande.
Ronaldo é um homem de negócios e precisa ganhar dinheiro para mais 40 anos de sua vida. Trabalha para sustentar seus caprichos e de quem vem atrás dele. É muita gente, muitos casamentos, filhos, familiares… É assim com todo jogador de futebol. Ronaldo fincou residência em Minas Gerais e está a 120 dias tramando a compra do Cruzeiro. Mas por quê? Porque Ronaldo é bonzinho e quer ajudar o time que o lançou. Não?
Claro que não. Seria muita ingenuidade pensar assim. Trata-se, como disse, de um negócio, que visa o lucro. Ronaldo é um comprador e um vendedor. Não será cartola para o resto da vida. Longe disso. Esses caras nunca perdem ou abrem mão da “doce vida” que o futebol lhe proporciona. Ronaldo vai desfrutar de sua fama e do que fez no futebol (e não foi pouco) para todo o sempre. Mas agora, seu negócio é arrumar o clube azul de Belo Horizonte. Tem uma temporada para alcançar seu maior objetivo, que é levar o “Cruzeiro para onde ele nunca deveria ter saído”, como ele mesmo disse, que é a Série A do Campeonato Brasileiro.
Se conseguir, dará ao Cruzeiro a possibilidade de voltar a ter uma vida financeira mais saudável, com mais dinheiro de TV, de venda de camisa, de bilheteria, de negociação de jogadores… Dará ao Cruzeiro a chance de fazer receita na casa dos R$ 600 milhões por ano, que é mais ou menos o que um time como o Cruzeiro tem condições de fazer – a estimativa do São Paulo é ter R$ 650 milhões de receita em 2022.
A partir daí, com o Cruzeiro de volta aos trilhos, Ronaldo se verá diante de dois caminhos: sair de cena ou continuar no palco. Sair de cena significa repassar sua parte da SAF, ou seja, revender a empresa, 90% dela, conforme a compra anunciada e oficializada na metade de abril. Comprou por R$ 400 milhões na Série B, cheio de dívidas e sem um time competitivo, e vai vender na Série A, com suas dívidas pagas e as receitas organizadas e com um elenco competitivo. Pense no Cruzeiro como uma empresa quebrada hoje. E em dois anos, como uma empresa dando lucro. É isso. Ronaldo pode vender o Cruzeiro pelo dobro do preço, R$ 800 milhões, ou pelo triplo, R$ 1,2 bi. Ou pelo valor que quiser e encontrar um comprador.
O outro caminho é continuar sendo o dono do Cruzeiro, entregá-lo para gestores de sua confiança, decidindo apenas as coisas que precisam de sua participação direta e passando mensalmente para pegar um pró-labore gordo, como muitos donos de empresa fazem. Não vejo Ronaldo nessa loucura de comandar o Cruzeiro por anos a fio, sem descanso. Ele, como todos sabem, tem outros negócios para tocar, um clube na Espanha, empresas de marketing, novos projetos, sua disposição de se tornar um influencer com alguns profissionais que já brilham nas transmissões esportivas, já foi comentarista da Globo em Copa… enfim, há uma série de outras atividades que Ronaldo não descarta nem nunca descartou fazer em sua vida pós-campo. Até de um reality para emagrecer ele já participou.
Então, vale o aviso aos cruzeirenses que Ronaldo, embora 100% empenhado na retomada do clube de Minas Gerais, não ficará com ele para sempre. O Cruzeiro é uma empresa que ele poderá repassar para frente assim que não quiser mais, mesmo a despeito da boa dose de sentimento que tem pelas cores do time e do seu escudo. Ronaldo, não se enganem, é um homem de negócios.
[…] O futebol brasileiro quebrou suas barreiras centenárias e se arreganhou para a SAF, a Sociedade Anônima do Futebol, como única esperança de sobreviver. Três clubes gigantes não pensaram duas vezes para entregar suas chaves aos novos donos. Refiro-me a Cruzeiro, Vasco e Botafogo, em comum, todos no fundo no poço financeiramente, e também dentro de campo, sem vislumbrar até então nenhuma luz no fim do túnel. O time de Minas Gerais, por exemplo, está em sua terceira temporada na Série B. Nunca antes um grande ficou tanto tempo na divisão inferior. Ronaldo chegou e mudou isso. Ou quer mudar. […]
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