Em meio às demissões sem pudor dos técnicos de futebol, a mais fresquinha foi a de Roger Machado no Fluminense, dois dinossauros da profissão tentam recuperar times de tradição e torcidas apaixonadas. Só estão no cargo graças a tudo o que fizeram pelo futebol brasileiro no passado. Um deles foi campeão do mundo. O outro entrou para a história como um dos mais estrategistas e competentes e também esteve no comando do Brasil. Felipão tenta salvar o Grêmio de ser rebaixado no Campeonato Brasileiro. Vanderlei Luxemburgo aceitou o desafio de tirar o Cruzeiro do buraco, formar um time melhorzinho que não caia para a Série C e que ainda fique entre os quatro primeiros da Série B, o que levaria o clube de volta para a elite e para as cotas mais gordas de patrocínios e, principalmente, de direitos de transmissão dos jogos na TV.

 

Mas o que move esses dois técnicos, já avôs e que poderiam muito bem estar curtindo a aposentadoria com a família, Felipão com dona Olga e Luxemburgo com a ‘dona Encrenca’, como ele mesmo se refere à mãe de suas filhas?

Para entender as motivações de ambos é necessário saber antes de tudo que eles foram jogadores medianos, sem muito sucesso em campo e que só se tornaram referência mais tarde, quando trocaram a vida de atleta pela de treinador. Também é importante levar em consideração que os dois se recusam a parar, mesmo condenados nas últimas temporadas e criticados pelos trabalhos ruins.

Na verdade, poucos técnicos de futebol no Brasil admitem a aposentadoria. O que geralmente acontece é o futebol abandoná-los primeiro. Aí, eles se tornam ‘fontes’ para reportagens, mais solícitos, menos rabugentos e fazendo força para continuar na mídia. Geralmente também não sabem fazer outra coisa. E não conseguem viver longe dos holofotes. Suas assessorias sempre alimentam a oportunidade de um trabalho aqui e outro ali.

Tanto Felipão quanto Luxemburgo não são esquecidos pelos clubes brasileiros, é preciso dizer. Prova disso é que ambos foram pescados no mercado para comandar times grandes e com os quais tiveram passagens vitoriosas e relevantes. O Grêmio tem o bigode de Felipão, embora ele não esteja mais usando o apetrecho visual. Pensar no Grêmio sem pensar em Felipão parece uma heresia, tamanha sua importância no clube gaúcho e para a torcida.

Da mesma forma, Luxemburgo deixou um legado em Minas que parece não ter desaparecido, se é que vai desaparecer um dia. Ganhou a tríplice coroa quando teve Alex com a camisa 10 do time, no começo dos anos 2000. Essa relação no futebol nunca some. Outros clubes também apostaram em treinadores do passado para consertar o presente e ganhar esperança para o futuro. O Inter se valeu desse expediente quando trouxe no ano passado Abel Braga. O próprio Palmeiras já contratou Felipão e Luxemburgo pensando no que eles fizeram em outras épocas.

O que os move na profissão

Eles assumiram seus respectivos clubes com mãos de ferro, boa dose de história e um desafio que os move e que não o fazem parar: o de recuperar prestígio no futebol e continuar entregando bons resultados. Não trabalham mais por dinheiro. O que ganharam na carreira daria para sustentar gerações e gerações. Por isso também concordam em assinar contratos sem criar caso. Alguns começam a trabalhar antes mesmo disso, vai no fio do bigode as combinações da parceria. Mas só fazem isso porque conhecem os clubes e sabem onde estão pisando.

Felipão é competitivo ao extremo. Não quer saber de nada a não ser ganhar suas partidas. Disse isso no primeiro dia no Grêmio. Somar pontos é seu desafio a cada rodada para tirar o Grêmio da zona de rebaixamento até a virada do turno do Brasileirão. Se não acontecer, vai tentar até o fim. Tem a confiança dos dirigentes, dos jogadores e da torcida. Isso ajuda a trabalhar sem tanta cobrança interna, apenas pela pressão e ansiedade de jogar logo todas as partidas para ver o que vai dar. Para Felipão, qualquer coisa que o time conseguir a mais do que evitar a queda nesta temporada estará de bom tamanho. Isso está muito longe de seus trabalhos em anos anteriores, em clubes e também na seleção. Felipão era sinônimo de conquista.

Vale lembrar que Felipão, antes de ser humilhado na Copa do Mundo de 2014 pela Alemanha no Mineirão, ganhou o penta e isso ninguém tira dele e do seu coração. O penta tornou o Brasil único nessa corrida de conquistas da maior competição de seleções organizada pela Fifa. Cinco treinadores brasileiros desde 1930 conseguiram a façanha. Não é pouco. O vexame para os brasileiros na derrota de 7 a 1 foi enorme, mas a alegria do penta em 2002 foi maior. Isso torna Felipão inesquecível na história do futebol mundial.

Mas no Grêmio ele só quer ganhar, que seja de 1 a 0, suas partidas. Salvar o Grêmio terá para ele duas alegrias. A primeira é ajudar um time com o qual tem identificação e sempre terá. A segunda é voltar a bater no peito e entregar um trabalho convincente. Ele aceitou o desafio porque entende que o time tem condições de se salvar. Fez a coisa certa após consultar dona Olga, fazer a malinha e se mudar para Porto Alegre. Esse procedimento, Felipão faz há décadas. A única coisa que muda é a cidade para onde vai. E vai continuar fazendo enquanto tiver saúde e disposição.

O que move Luxemburgo é algo diferente, algo mais estrutural do futebol do que apenas formar times competitivos e campeões. Luxemburgo quer entrar para as escritas esportivas como um técnico revolucionário, deixar um legado, um açude onde as gerações futuras podem beber de sua água. Para muitos, ele já tem essa condição conquistada primeiramente no Bragantino e depois no Palmeiras, antes mesmo de fazer história no Cruzeiro em sua outra passagem. Foi lá na década de 1990. Era reverenciado como um estrategista.

Mas isso se perdeu pelo caminho, sem que ele admitisse. Falar com Luxemburgo sobre futebol é preciso ter muito conhecimento e raciocínio rápido para ficar na mesma página que ele. Sua visão nem sempre é clara para leigos. E suas ideias parecem ser ótimas. Seu problema tem sido a prática. E cá entre nós, é o que conta no futebol atual, de resultados imediatos, pouca paciência de dirigentes e torcedores e, para muitos, nenhuma necessidade de jogar bem.

Ambição

Luxemburgo é um ambicioso no futebol. Ele quer abraçar tudo nos clubes onde trabalha. Ser explorado ao máximo pelos patrões e participar das decisões sempre que a porta estiver aberta. Isso já o prejudicou. Ele carrega a pecha de se meter onde não deve e deixar o futebol no campo de lado. Faz questão de ligar para os atletas com os quais quer contar e não abre mão de estar nas tratativas da transação.

O que para muitos técnicos é um problema, como gerir o dinheiro do clube destinado ao futebol, para Luxemburgo é uma missão. Ele já se espelhou em treinadores da Europa quando trouxe para o Brasil o conceito de manager, ou se valeu dele para fazer mais coisas do que simplesmente dar treinos e comandar o time em jogos. Ele está atrás de um coroamento pós-Palmeiras e Cruzeiro de tempos atrás. Não deu certo na seleção por problemas fora de campo com a CBF e sua idade. Não vingou no Real Madrid, embora tenha sido um dos poucos a se sentar no banco de um dos gigantes da Europa. E não vem dando muito certo nos seus últimos trabalhos, mas nunca por culpa dele e sempre por algum detalhe de diretoria, torcida ou do elenco, como ele sempre diz.

No Cruzeiro, seu desafio talvez seja o mais difícil de todos. Entrou em areia movediça com a certeza de que vai se safar. O time parou de afundar e dá passos lentos para longe da zona de rebaixamento para a terceira divisão. Mas isso não é nem de longe o objetivo dos cruzeirenses. Ocorre que cada ponto mais longe da Série C também significa que o Cruzeiro melhora sua condição na tabela da Série B. Se der certo, Luxemburgo cumpre apenas parte dos seus planos. Vai ser reverenciado em Minas e abrirá uma porta para seu grande projeto, que será em 2022. Recuperar o clube financeiramente, ganhar carta branca e deixar o seu tão sonhado legado.

Por enquanto, o que Felipão e Luxemburgo têm em comum na temporada 2021 é o desafio de salvar seus respectivos times. Nada mais importa para eles nesse momento.

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