Há uma discussão no futebol brasileiro muito mal conduzida na mídia e pelos dirigentes esportivos que diz respeito às dívidas dos clubes. Na verdade, quase ninguém fala disso e essa informação aparece uma vez por ano no noticiário, quando as associações apresentam seus balanços. Todos os clubes brasileiros devem no mercado ou para o governo. São credores dos mais variados tipos, como jogadores e empresários. Há ações trabalhistas e despesas com colaboradores.

Décadas atrás, os clubes tinham alguma vergonha em apresentar essas cifras negativas, como uma deficiência de suas gestões. Atualmente, esse pudor não existe mais. O Corinthians tem uma dívida de quase R$ 2 bilhões e só pensa em comprar atletas e pagar salários astronômicos para eles. A mais nova investida foi em Mario Balotelli.

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Deveria ser obrigado por lei ao clube de futebol a necessidade de ele apresentar uma proposta de como seu presidente pretende pagar tal dívida, mesmo não sendo ele o responsável por ela. Quando um presidente é eleito, ele tem a obrigação de bancar e honrar os compromissos do clube. Mas isso nem sempre acontece.

Arena MRV é a mais nova no Brasil: ela pertence ao Atlético-MG e já opera em Belo Horizonte / Atlético-MG

A desculpa que se ouve entre os dirigentes esportivos é sobre a capacidade de o clube fazer receita. O Corinthians deve quase R$ 2 bilhões, mas tem condições de gerar receita de R$ 1 bilhão por ano sem esforço. Todos os clubes da Série A, por exemplo, têm, em média, receitas anuais de R$ 400 milhões a R$ 800 milhões.

O problema é que esses mesmos clubes não têm interesse em zerar duas dívidas, de modo a pagar parte dela ao longo de seus mandatos e, assim, deixar para o próximo presidente uma situação mais confortável financeiramente.

O futebol só é devedor porque ele é mal gerido. E porque não há responsabilidade fiscal nem financeira de seus patrões. Mesmo assim, as eleições são acirradas, com seus candidatos querendo assumir o posto a qualquer custo. Quem está no comando quer sempre continuar.

Presidente do Corinthians, Augusto Melo, tem a dívida mais alta entre os clubes brasileiros / Agência Corinthians

Digo que um clube sem dívidas tem mais condições e garantias de buscar recursos no mercado, de negociar com seus patrocinadores, de contratar jogadores e de melhorar sua infraestrutura, de modo a encontrar com mais facilidade os caminhos do sucesso esportivo. Há anos os times brasileiros passam o pires para sobreviver. Assumem o que não podem pagar e empurram suas pendengas para debaixo do tapete.

Até entendo a dificuldade dos times das divisões inferiores ou aqueles que não têm calendário para a temporada toda, mas isso não acontece, por exemplo, com os 20 clubes do Brasileirão e com os 20 da Série B. O problema é que o dinheiro some e as despesas são gigantescas. Apresentar balanço negativo é a chaga dos clubes brasileiros.

O Relatório Convocados, elaborado pela Consultoria Convocados com a Galápagos Capital e a Outfield, aponta o tamanho do endividamento dos clubes do Brasil em 2023. Veja a lista:

Corinthians: R$ 1,894 bilhão
Botafogo: R$ 1,301 bilhão
Atlético-MG: R$ 998 milhões
São Paulo: R$ 856 milhões
Cruzeiro: R$ 811 milhões
Fluminense: R$ 736 milhões
RB Bragantino: R$ 696 milhões
Vasco: R$ 696 milhões
Internacional: R$ 650 milhões
Santos: R$ 548 milhões
Athletico-PR: R$ 492 milhões
Palmeiras: R$ 466 milhões
Grêmio: R$ 441 milhões
Flamengo: R$ 391 milhões
Bahia: R$ 366 milhões

Entendo fazer parte do legado dos presidentes a redução das dívidas geradas por gestões passadas. O mandatário eleito, ao assumir o cargo por dois ou três anos, deveria apresentar em sua primeira entrevista o tamanho da dívida do clube e mostrar sua estratégia para pagá-la ao longo de sua administração. Em sua última entrevista, ele deveria fazer esse balanço e mostrar seu legado. O que acontece, geralmente, é o cartola ser tirado do cargo pela porta dos fundos e deixar o problema para quem vai entrar, sem qualquer responsabilidade.

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A modernidade do futebol, com bolas com chips e o uso do VAR, imagens em 4D dos impedimentos e árbitros dando recados no meio do campo, ainda não chegou aos dirigentes esportivos, que continuam com seus ranços do passado e do amadorismo enraizados em suas peles e correndo por suas veias. As entidades esportivas deveriam trazer essa discussão para mais perto do torcedor e dos dirigentes, de modo a colocar algumas regras nesse sentido nos regulamentos das competições. No Brasil, não há fair play financeiro e ninguém cobra isso.