Vai fazer uma semana que a revista piauí publicou uma reportagem esquadrinhando os subterrâneos da CBF, dos quais emergem um labirinto de vasos comunicantes que se unem por meio de gastança desenfreada, extravagâncias sem fim, salários astronômicos, conluios com o poder e um sistema de governança que não passaria pelo crivo de nenhuma consultoria empresarial séria. É um escândalo!
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Mais estarrecedor do que o conteúdo revelado pela primorosa reportagem do jornalista Allan de Abreu é o silêncio constrangedor de dirigentes, atletas, árbitros, empresários, autoridades, patrocinadores e todos os atores do futebol ligados direta ou indiretamente à Confederação Brasileira de Futebol sobre o que a revista chamou de “coisas extravagantes” ali reveladas.

Ainda que a radiografia tenha mostrado coisas que não são exclusividade da atual administração, chama a atenção o fato de estar tudo documentado, provado, apurado e checado. Não há informação que tenha sido rebatida como sendo ela descolada da verdade. Uma coisa é a gente ouvir dizer que isso é uma prática constante na CBF. Outra coisa é você estar diante de evidências comprovadas e normalizar que elas subsistam ao longo do tempo.
Silêncio oficial
Nenhuma voz oficial se levantou nem sequer para rebater as informações apuradas pela revista. Nenhuma assessoria de imprensa soltou nota explicativa. Nenhum jogador usou suas redes sociais para mobilizar a classe como fez na recente luta contra os gramados sintéticos.
Nenhum presidente de clube apareceu ao menos para justificar seu voto na recente reeleição do presidente Ednaldo Rodrigues – o maestro da sinfonia de malfeitos administrativos da entidade. Nesta parte, a reportagem revela um dado que talvez justifique a eleição por unanimidade de Ednaldo para mais quatro anos de mandato.
Pensão
Num ato administrativo, numa canetada, sem ter que prestar conta a ninguém, ele mandou reajustar o pró-labore (?) dos presidentes das 27 federações estaduais, por exemplo, de R$ 50 mil para R$ 215 mil mensais. Justifica também o silêncio sepulcral sobre a farra da distribuição de dinheiro aos amigos do rei, que dirige uma entidade de caráter privado com faturamento superior a R$ 1 bilhão por ano.
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Salário alto é com Ednaldo mesmo. O dele hoje beira a casa de R$ 1 milhão/mês. O dirigente baiano de 71 anos entrou no esporte como representante de entidades do seu Estado. Aproximou-se dos gatos-mestres da cartolagem em território nacional e, aos poucos, foi ganhando terreno, ampliando sua sanha gastadora. Hoje, na cadeira ocupada outrora por outros especialistas em fazer uma farra com o dinheiro da entidade, ele sublima a arte de tirar proveito pessoal do jogo de interesses que manipula.

Entre os beneficiados de seu esquema de filantropia própria não estão só cartolas. Há na lista de beneméritos alguns políticos de alta patente, políticos de todos os naipes e ideologias e até Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, agraciado, inclusive, com arranjos para parentes seus.
Chororô só com a arbitragem
Na noite deste domingo, o futebol brasileiro perdeu muito tempo discutindo erros de arbitragem, que são comuns ao esporte desde que Charles William Miller trouxe a primeira bola de capotão para o Brasil, há mais de um século. Vimos muitos dirigentes revoltados, falando em assalto a mão armada, prometendo atitudes mais enérgicas e todo aquele chororô que se vê toda semana, pois que os erros acontecem toda semana, ora em benefício do Clube A, ora em benefício do Clube B.
No entanto, nenhum dos reclamões se deu conta de que esses protestos pontuais, em cima de um pênalti não marcado aqui e um gol anulado ali, passam por essa estrutura viciada, corrompida, contaminada do poder que emana da CBF.
Ali, ninguém quer o bem do futebol. Todos tratam a bola com o único intuito de tirar proveito pessoal, ampliar seu círculo de amizades junto ao poder, fazer negócios e, se der, enriquecer. Sem esquecer de dividir o butim com os amigos mais próximos, gente do bem que se alista para integrar-se ao esquema sem pudores ou medo de serem pilhados com a boca na botija.
Projeto caro da arbitragem
A reportagem, inclusive, aponta que o ex-árbitro Wilson Luiz Seneme, que dirigiu o departamento de árbitros por um período, apresentou a Ednaldo um projeto para formação e profissionalização dos árbitros, além de um aprimoramento tecnológico no sistema do VAR. Somados, investimentos perto de R$ 60 milhões.
Mas o presidente da CBF achou o gasto desnecessário e preferiu fazer do dinheiro da entidade usufruto de suas próprias demandas e desejos. Ninguém garante que o projeto iria dar certo e acabaria com os erros e as reclamações. Mas poderia ser um caminho para a moralização do apito, colocado sob suspeita a cada pênalti não marcado em campo.
Bagunção-2025
E assim, o que era para ser o maior campeonato nacional da América Latina caminha solenemente para consolidar-se como apenas mais um equívoco da CBF. Um campeonato que na sua segunda rodada já merece o título de BAGUNÇÃO-2025. É assim que The Football passa a se referir ao Brasileirão deste ano sempre que houver mais um ato que o empurre para o fundo do poço.

Menos mal é constatar que o bom jornalismo ainda respira. A reportagem da piauí dá uma sobrevida, um alento, uma esperança, ao nobre exercício da atividade, cuja grandeza também anda se perdendo por caminhos tortuosos e enlameados desses tempos modernos.
CBF: O OUTRO LADO
A CBF não soltou nenhuma nota oficial sobre a reportagem da revista piauí. The Football procurou a entidade para ouvir o outro lado, como reza o jornalismo, e teve duas respostas sobre dois assuntos específicos da matéria:
1 – Sobre salários de presidentes de federações: “Não procede. As remunerações dos presidentes de federações variam de acordo com suas atuações em vice-presidências e comissões de trabalho da confederação.”
2 – Sobre a CBF pagar por viagens de familiares do presidente: “Não procede. O presidente Ednaldo Rodrigues pagou pessoalmente todas as despesas de seus familiares que viajaram para a Copa do Mundo do Catar.”