A cena é deprimente, para não dizer assustadora. Fim de jogo em São Januário e o técnico Fábio Carille sai da área protegida do banco de reservas do Vasco e precisa correr para a porta do túnel que dá acesso ao vestiário para não ser atingido por objetos jogados pela torcida. Nos poucos segundos que durou o trajeto, Carille, correndo, ouviu um festival de impropérios, palavrões, xingamentos e palavras de ordem pedindo sua saída do clube.

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No auge da manifestação, um palavrão entoado em coro a plenos pulmões, resumiu o nível de intolerância do torcedor vascaíno e expôs uma única via para o treinador: pedir demissão se não quiser mais continuar vivendo nesse calvário.

Fábio Carille não terá paz se a torcida não entender o seu trabalho com o time do Vasco / Vasco

Do jeito que a relação está desgastada não haverá milagre possível para fazer com que Carille seja bem-visto e aceito na coletividade cruzmaltina. Não precisa ser vidente para saber que, daqui três dias, quando voltarem a campo, o clima de terror vai se instalar outra vez.

Milan Kundera no futebol

A fuga de Carille para o vestiário me fez lembrar de um clássico da literatura contemporânea dos anos 80, livro obrigatório para o entendimento das relações humanas: A Insustentável Leveza do Ser, do escritor tcheco Milan Kundera. A obra é um romance de ficção, focado na vida de poucos personagens, mas cuja mensagem se aplica ao momento vivido por Carille no Vasco. Kundera nos leva à reflexão sobre a condição humana e o peso e a leveza das nossas decisões, a vida e a política. Questiona também se existe um destino e se ele justifica nossas escolhas.

Ligando os pontos entre a ficção literária e a realidade esportiva dos fatos narrados, estamos diante da Insustentável Leveza de Fábio Carille no comando do Vasco. Até que ponto seu destino impunha essa passagem e até que ponto seguir à frente do trabalho é uma decisão acertada, se for ainda viável?

Nem o Vasco precisa ter um técnico totalmente desacreditado nem Carille precisa trabalhar num clube que não o deseja mais e não vê nele solução para os problemas da equipe em campo. Toda e qualquer tentativa de seguir adiante pode causar estragos para as duas partes.

Carille não se furtou a falar sobre o terror vivido em campo na noite desta terça-feira. Polido, como sempre é, tentando manter a calma e a lucidez num momento de conflito, evitou o confronto e propôs uma reflexão pertinente.

Vaias após uma vitória

Para ele, esse comportamento hostil da torcida para com ele e alguns jogadores durante o transcorrer do jogo só traz prejuízos ao Vasco. As cobranças elevam os níveis de tensão, o nervosismo explode à flor da pele, o clima de insegurança se instala e tudo isso contribui para tomadas de decisões erradas dentro do jogo. O passe não entra, o chute é descalibrado, o drible é perigoso, a marcação é falha… tudo isso junto piora a situação do time.

É curioso notar que tudo isso aconteceu numa noite em que o Vasco saiu de campo com a vitória. Ganhou por 1 a 0 do Puerto Cabello, pela segunda rodada da Sul-Americana. O resultado deixou a equipe numa posição razoavelmente confortável no grupo, com quatro pontos ganhos em duas partidas, sendo uma fora de casa (empate por 3 a 3 com o Melgar).

Torcedor do Vasco não aprova o trabalho de Fábio Carille: crítica acontece mesmo com uma vitória / Vasco

Parece um paradoxo, mas é a realidade exposta de um relacionamento carcomido por crises anteriores e que agora parece sem volta, sem remendo, sem conserto. Imagine se em pleno São Januário o Vasco tivesse perdido…

Carille pede o apoio dos torcedores em favor do Vasco como instituição. Aceita as críticas e não teme os xingamentos. Resta saber se a torcida vai se dar ao trabalho de apostar nessa ideia de reconstrução coletiva, algo que precise da ação de todos, que todos caminhem de mãos dadas em torno de um ideal.

Vale a pena ficar no Vasco?

Filosoficamente esse seria o melhor caminho. Mas o próprio presidente do clube, o ex-jogador Pedrinho, joga contra esse projeto de união pacificada ao dizer que o elenco atual o coloca entre o top 8 do Brasil. Além de isso não ser verdade, é uma avaliação que aumenta o peso nas costas do treinador, que não consegue fazer o time jogar mais do que está jogando.

Será que a culpa é de Carille ou do elenco, que não tem todo esse potencial?
Seja como for, o futuro de Fábio Carille no Vasco não parece nada sustentável. Muito menos leve…

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