América-MG e Santos protagonizaram uma discussão válida sobre o fair play após gol do time de Minas Gerais em jogo da Série B do Brasileiro. A cena foi muito rápida, com os dois jogadores protagonistas na jogada. De um lado estava o goleiro santista João Paulo. Do outro, o atacante Renato Marques. A cena foi insólita é suficiente para dividir opiniões. O goleiro do Santos perdeu a bola para o rival dentro da área. Ele se machucou no lance e parou a jogada. O atleta do América ficou com a bola e fez o gol porque o juiz não apitou nada.
Todos reclamaram da falta de camaradagem do jogador do time de Minas, o fair play. Pelas regras, o jogo só deveria ter parado se o árbitro apitasse, como faz inúmeras vezes durante um jogo quando alguém se machuca e cai no gramado. Mas nesse caso não deu tempo. Foi tudo rápido demais. A jogada não foi parada, o lance seguiu e o gol foi validado. O juiz não apitou porque não houve falta. O VAR ficou em silêncio.
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Mas por que Renato não parou a jogada, se valeu do fair play e jogou a bola para fora? É aqui que gostaria de concentrar a minha crítica. A primeira resposta é porque ele agiu instintivamente. Ficou com a bola e chutou para o gol mesmo vendo o goleiro do Santos caído no gramado. Fez sem pensar. O jogo estava empatado sem gol. Deve ter pensado: ‘se o juiz vai dar o gol ou anular, a decisão será tomada depois, como acontece em todas as jogadas no futebol após a chegada do VAR’.
A conduta de Renato Marques, para mim, foi a mesma de qualquer outro jogador, independentemente da cor da camisa: completar a jogada e esperar pela decisão da arbitragem. Ele entendeu o que fez minutos depois e nem comemorou o gol. Seus companheiros pediram desculpas.
Sendo sincero, acho que erramos. Esses dias mesmo falei sobre a tragédia do Rio Grande do Sul e cobrei sobre sermos seres humanos melhores. Nós falhamos. Foi isso, acabou que fizemos o gol dessa forma. Espero que não seja nada sério ao João Paulo, peço desculpas a ele e à equipe do Santos. Se fosse com eles, seria diferente? Nossa vida não pode ser movida pelo que o outro lado toma a atitude. Falhamos, peço desculpas. JUNINHO, CAPITÃO DO AMÉRICA-MG
Há muita simulação em campo
A segunda possibilidade, a mais válida para mim, é que Renato Marques deu sequência na jogada porque sabe que seus colegas de profissão simulam lesões e faltas o tempo todo durante um jogo. Basta acompanhar uma partida do futebol brasileiro, de todas as divisões, para se deparar com atleta fingindo ser atingido no rosto ou em qualquer outra parte do corpo para enganar a arbitragem, ganhar tempo e esfriar as jogadas. É uma situação ridícula, que acontece na Série A e em todas as outras. Sem exceção de time ou de jogador.
O goleiro tem sido o atleta que mais simula esse tipo de “lesão”, quase sempre sem necessidade. Ele para o jogo somente para ganhar tempo e “esfriar” o adversário. O atleta depois recebe aquela água milagrosa e se levanta sem problema aparente. Faz uma defesa e se atira ao chão. Renato Marques pode ter achado que o goleiro João Paulo estivesse nessa pegada, simulando o que desta vez não era uma simulação. Mas como o futebol brasileiro está cheio disso, ele duvidou do rival do Santos.
Não sabia que foi um tendão de Aquiles rompido, do pé esquerdo, que derrubou o goleiro do Santos. João Paulo já passou por cirurgia e ficará afastado do futebol por tempo indeterminado. Portanto, não era uma simulação. Sabendo de tudo isso, é fácil afirmar que o atacante do América perdeu a chance do companheirismo ensinado pelo Barão Pierre de Coubertin para os Jogos Olímpicos. O fair play nada mais é do que dar aos adversários condições de igualdade numa disputa.
João Paulo se machucou na jogada. O jogo deveria ter parado. Só não parou porque o futebol brasileiro abusa do direito de simular contusão e de tentar enganar a arbitragem. Isso tem de acabar. Tomara que esse episódio mude a cabeça dos jogadores, de seus treinadores e dos presidentes e que todos juntos aprendam com o que aconteceu e abra mão desse comportamento inadequado durante os 90 minutos, o de simular lesão.
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Técnicos e dirigentes precisam cobrar isso de seus jogadores. Se Renato Marques não tivesse dúvidas de que João Paulo pudesse estar tentando enganar a todos, ele poderia ter jogado a bola para fora e pedido atendimento médico para o colega. Por mais que o Santos tenha cobrado o comportamento do jogador do América-MG, o gol foi validado e a decisão não será mudada. O Santos tem de levantar essa bandeira da “não simulação” de atletas em campo. Reuniões precisam ser feitas nesse sentido, com o envolvimento de todos do futebol. Se isso mudar no Brasil, o futebol será mais bonito e verdadeiro. Teremos mais bola rolando e menos paralisação desnecessária. E não se perderá a chance do fair play.