O Brasil completa nesta quarta-feira três décadas da conquista do tetracampeonato mundial nos Estados Unidos. Foi em 1994, diante da Itália, a primeira decisão de Copas por pênaltis. Depois de um 0 a 0 no tempo normal e na prorrogação em que a seleção brasileira, de Carlos Alberto Parreira, foi melhor, Romário, Branco e Dunga acertaram suas cobranças. Taffarel defendeu o chute de Massaro e Roberto Baggio, querido até hoje pelos brasileiros, chutou para fora.
Fazia 24 anos que o Brasil havia festejado o tri, em 1970, ainda sob o comando de Pelé na melhor equipe de todos os tempos apontada por muitos torcedores, técnicos e jogadores. O hiato era grande de uma conquista e outra. Havia muita cobrança e o torcedor ainda era engajado com a seleção.
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Alguns personagens ganharam notoriedade naquela Copa do Mundo e serão lembrados para sempre na história do futebol brasileiro e mundial, como o goleiro Taffarel e o atacante Romário. Há outros. O técnico Parreira me confessou anos depois, quando estava no Corinthians, que desfrutou pouco daquela conquista porque aceitou na sequência oferta do futebol espanhol e perdeu toda a vivência que aquele feito provocou no país. Ele queria saborear mais o tetra no Brasil.
Romário virou “o cara” da quarta conquista. Ele fez cinco gols na campanha. O Brasil marcou 11. Todos os jogos de uma Copa são complicados, mas talvez a vitória por 1 a 0 diante do anfitrião Estados Unidos, com gol de Bebeto, tenha sido o mais enroscado de todos.
A seleção brasileira terminou a disputa, na grande disputa, com a seguinte formação: Taffarel, Jorginho, Aldair, Márcio Santos e Branco; Mauro Silva, Dunga, Mazinho e Zinho; Bebeto e Romário. Havia outros atletas de renome, como Raí e até um garoto de 17 anos chamado Ronaldo, que não chegou a atuar. Ronaldo diz que era uma espécie de “faz tudo” para os jogadores mais experientes, como Romário, que tentou convencer Parreira para formar o ataque com ele, Bebeto e o garoto. O técnico não comprou a ideia.
A Itália era comandada pelo respeitado Arrigo Sacchi e jogou aquela final com Pagliuca, Mussi, Baresi, Maldini e Benarrivo; Berti, Dino Baggio, Albertini e Donadoni; Roberto Baggio e Massaro. Era uma Itália forte. Nem de longe lembra o time atual, que ficou fora das duas últimas Copas do Mundo, da Rússia e do Catar. Naquela época, não se pensava em um Mundial de futebol sem a presença dos italianos.
Foi um ano triste para o Brasil também. Em maio de 1994, meses antes da Copa, o país e o mundo choraram a morte de Ayrton Senna. A seleção brasileira fez uma homenagem ao piloto. O povo brasileiro viveu esse misto de emoções, tristeza e alegria, separado por alguns meses. O tetra tornava a seleção invejada.
Para o futebol brasileiro, aquela formação e jeito de jogar deixaram sequelas negativas, sobretudo na marcação com dois volantes “destruidores” em detrimento de jogadores de mais qualidade técnica e de criação. Não era um time retranqueiro. Era um jeito eficiente de fechar a casinha e não permitir as ações dos rivais. Mauro Silva e Dunga corriam demais e marcavam demais, mas abriam mão de criar e ajudar ofensivamente.
Aquele Brasil foi construído para ganhar a Copa do Mundo. Como deu certo, o modelo convenceu os treinadores do país da necessidade de dois volantes marcadores, de um esquema mais fechado e de um que corria poucos riscos.
Havia Romário, em grande fase, e Bebeto fazendo a dupla de ataque. Portanto, apesar de um time cauteloso, os gols saíam por causa da qualidade de seus atacantes. Eles gostavam de fazer gols. Não eram do drible ou da firula. Eram jogadores que mandavam a bola para dentro das redes. Simples assim. Aquele olhar de Roberto Baggio para Romário no alinhamento dos times na boca do vestiário, flagrado pelas imagens de TV da Fifa, é emblemático. Eram dois craques, com o italiano reverenciando o brasileiro sem dizer uma só palavra. Uma imagem que falava por si só.
O fato é que o tetra marcou uma virada no futebol brasileiro de clubes e da seleção. Depois do tetra, foi um custo ganhar o penta, em 2002. O time quase não se classificou nas Eliminatórias e só foi campeão por causa do talento de muitos jogadores bons de bola, sobretudo com a dupla de atacantes formada por Ronaldo, aquele menino de 17 anos do tetra que se transformava em Fenômeno, e Rivaldo. Havia outros, como Ronaldinho Gaúcho, Cafu e Roberto Carlos. Mas essa é outra história.
O Brasil tem memória curta e as novas gerações são apegadas aos personagens do “momento”, das redes sociais, e não se dão conta das inúmeras façanhas do nosso povo ao longo da história. Os jogadores campeões do mundo em 1994 merecem o nosso respeito para sempre.
Uma vez Zico me disse ao entrar num hotel caminhando normalmente pelo saguão que ele nunca conseguiu dar aqueles passos sem ser festejado quando vestia a camisa 10 do Flamengo e da seleção brasileira, tamanho era o carinho e a idolatria por ele do torcedor e da imprensa. Passados anos de sua aposentadoria, ele passou a viver como um sujeito normal, o que, na verdade, nunca foi nem será. O mesmo vale para os atletas de 1994. São todos eternos.