Sabe aquele trabalhador que chega no escritório, abre o computador e vê piscar na tela uma mensagem assim: “Prezado colaborador, antes de começar o serviço de hoje, por favor dê uma passada no RH…”

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Pois é. Essa é a condição colocada no momento para Dorival Júnior, convidado para uma reunião com o presidente da CBF nesta sexta, na sede da entidade, no Rio. Sim, Dorival está convocado para dar uma passada no RH com o claro objetivo de assinar o distrato de seu contrato de trabalho à frente da seleção brasileira.

Dorival Júnior tem nesta sexta-feira, três dias após a surra para a Argentina, uma reunião com o comando da CBF / CBF

Pode até ser que ele não seja dispensado agora, desde que aceite uma proposta temporária – e humilhante – de manter-se no cargo até o meio do ano, quando, enfim, o presidente Ednaldo Rodrigues consiga convencer o italiano Carlo Ancelotti a deixar sua zona de conforto no vitorioso Real Madrid para pegar o abacaxi de dirigir uma seleção em frangalhos.

Delírio de Poliana de Ednaldo

O Brasil é uma seleção tecnicamente desacreditada e emocionalmente destruída depois da vexatória goleada sofrida diante da Argentina esta semana.

Ednaldo não sabe nada de futebol, está no cargo por jogar o jogo das conveniências, e vive pessoalmente um delírio de Poliana, querendo acreditar que Ancelotti sonha todos os dias em assumir a seleção. Enquanto mantém de pé uma ou outra carta que sustenta seu castelinho imaginário, adia soluções emergentes e cruciais.

Vamos então considerar que Dorival é carta fora do baralho de Ednaldo e, com ou sem Ancelotti, a CBF vai dar início a um novo processo de construção de um selecionado capaz de se classificar para jogar a próxima Copa do Mundo sem indignar a história do País do Futebol.

Carlo Ancelotti, técnico do Real Madrid, com os jogadores brasileiros após conquista da Liga dos Campeões / Real Madrid

O erro está justamente na ideia de achar que a substituição do treinador, pela terceira vez no ciclo entre as Copas 2022/2026, é a solução para todos os nossos males. Filosoficamente, o pior erro está naquele que olha para uma árvore e não vê a floresta. Julga o filme por um frame. E esse é um vício enraizado no futebol brasileiro, lamentavelmente.

Ao invés de buscarmos soluções que levem em conta o todo, morremos afogados com medidas emergenciais, pontuais, oportunistas.

Decadência técnica, tática e moral

A seleção não precisa só de um novo técnico. Precisa de um choque de realidade, cujo ponto de partida é o reconhecimento de que a derrota por 4 a 1 em Buenos Aires, com direito a humilhações na bola e nas palavras, não é consequência da inépcia do treinador, que por ora está com a cabeça a prêmio. O tango argentino a que a seleção foi obrigada a dançar em La Plata deve ser sentido como o reflexo de claras evidências de que o futebol brasileiro está em decadência técnica, tática, física e moral.

Seria, então, culpa do presidente da CBF? Até é, em parte, mas essa não pode ser também uma desculpa eterna, uma verdade absoluta, posto que todos os cinco títulos mundiais conquistados pelo Brasil foram conduzidos sob a égide de gestões calamitosas. João Havelange, Ricardo Teixeira, Nabi, Caboclo, Octavio, Coronel Nunes, Marco Polo… a lista de cartolas de plantão no poder sem a menor competência para exercê-lo é infindável. Ganhamos as cinco Copas porque tínhamos jogadores de raro talento.

Cabeça de Dorival entregue a Salomé

Portanto, tentar personificar o fracasso, escolher um culpado para servi-lo a Salomé, serve como uma medida paliativa do RH, mas cega a busca pelo necessário entendimento de que as mudanças precisam ser estruturais.

Ednaldo Rodrigues, atual presidente da CBF, foi eleito por unanimidade pelos clubes por mais quatro anos, até 2030 / CBF

O futebol brasileiro precisa ser reinventado. Precisa começar do zero. Precisa se dar conta que as glórias do passado pertencem ao passado. E estão enterradas com Pelé, Garrincha, Didi, Vavá, Zagallo… Deixemo-los em paz!

Passou da hora de serem urgentes as decisões impulsionadas pela coragem, e não mais pelos interesses vigentes. Não dá mais para normalizar as derrotas. O risco de o país não se classificar para o Mundial inexiste, apesar dos vexames que temos dado em campo.

Mas qualquer técnico conseguiria ganhar um dos quatro próximos jogos e bater a meta mínima dos pontos necessários para a classificação. Mas, ainda assim, é preciso olhar com vergonha para as derrotas destas Eliminatórias, tanto quanto as derrotas para Croácia e Bélgica, que nos tiraram das fases decisivas dos dois últimos Mundiais. Duas seleções europeias da segunda prateleira, antes meras coadjuvantes nos confrontos diretos com o Brasil.

Modelo de jogo

Também precisamos criar um modelo de jogo. O que se vê sob o comando de Dorival, e o que já se via com Fernando Diniz, é um bando de jogadores desorientados, sem estrutura tática definida, sem conceito de jogo declarado, sem escalação fixa, sem alma, sem cor, sem identidade.

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Um time desconectado com nossas melhores tradições e completamente abandonado pelo torcedor, que não vê empatia num grupo de profissionais milionários que serve à seleção como quem vai para um rolê aleatório de fim de semana. Eles estão mais preocupados com a aparência, com o cabelo na régua, e com o que vai postar nas mídias sociais depois do jogo.

Talvez nesse aspecto pese o fato de a seleção ser, por vontade dos treinadores até que se prove em contrário, uma sucursal da Premier League, sem que, necessariamente, representada pelos melhores talentos dos campeonatos europeus.

‘Premierliguismo’

Qualquer plano de reconstrução da seleção brasileira deve passar por uma análise da influência de um movimento que o jornalista Maurício Noriega, da TV Record e Rádio Transamérica, define com feliz propriedade: Premierliguismo. Um movimento que, se funciona em outros países (a própria Argentina se socorre de jogadores que atuam na Inglaterra), não tem sido eficaz para o Brasil. Não por culpa da Premier League, por óbvio, mas pelas escolhas que os treinadores têm feito.

Jogadores da seleção brasileira também têm culpa na atual fase do time nas Eliminatórias da Copa de 2026 / CBF

No mínimo, devemos considerar que há algo de errado na seleção quando o Wolverhampton, time que flerta com a queda na Premier League, tem três jogadores na lista de Dorival. Já foi assim no passado com o Shakhtar Donetsk, da Ucrânia.

Que mistério é esse que explica algumas convocações tão absurdas? São tantas dúvidas que a gente não sabe mais se o jogador vai para seleção porque está num clube inglês ou está num time inglês porque joga na seleção. Parece que há uma relação direta entre as coisas. Mas isso, certamente, não atende aos interesses do futebol brasileiro e só beneficia quem lucra com essas operações de mercado.

Processo decadente

Enfim, o fato é que dentro e fora de campo, vivemos um processo decadente. Do qual não escapa nem a mística da camisa do selecionado nacional. A tal amarelinha, sequestrada para uso político de um país dividido ideologicamente entre direita e esquerda, hoje tem um valor questionável.

Perdemos nossa identidade. Perdemos nossos valores. Não temos mais craques em profusão. Estamos perdendo o respeito do adversário. Só não podemos perder a vergonha na cara para protestar e a coragem para mudar.

Quando Dorival sair da sala do RH nesta sexta, esperamos que o comando da CBF tenha em mãos um plano que possa ao menos reavivar nossa esperança de um futuro que honre nosso passado, já que o presente é desolador. Tomara o baile na Argentina tenha sido o último tango dessa tragédia brasileira…

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